quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Geleia real e olho seco




A síndrome do olho seco, ou simplesmente olho seco, tem se tornado cada vez mais comum. Há um bom tempo se sabe da relação entre idade e olho seco, na qual se observa uma maior prevalência do problema à medida que as pessoas envelhecem. Mas hoje também vemos uma maior presença de olho seco devido a pelo menos dois outros fatores: o uso generalizado de lentes de contato e o aumento considerável na utilização de aparelhos digitais.

Como o nome sugere, a síndrome do olho seco é uma condição caracterizada pela sensação de secura nos olhos, podendo ser acompanhada de outros sintomas como irritação, inflamação e fadiga ocular. Esses sintomas podem ser contínuos ou intermitentes, moderados ou severos, variando muito de caso a caso. Apesar de estar diretamente relacionada ao uso de aparelhos digitais e lentes de contato, e provavelmente ser desencadeada por esses fatores, não sabemos muito sobre como o problema realmente se desenvolve e qual a relevância de cada possível gatilho na patogênese da síndrome do olho seco.

Independentemente disso, o que acontece na síndrome é que os olhos perdem a capacidade de produzir a quantidade ideal de lágrimas ou as lágrimas produzidas evaporam mais rápido que o normal — ou as duas coisas juntas. Com uma quantidade menor de lágrimas nos olhos ou lágrimas que ficam nos olhos por menos tempo, o resultado final é o mesmo em todos os casos: secura devido à menor lubrificação da superfície ocular.

Na nutrição, poucos são os alimentos, nutrientes ou compostos bioativos que individualmente conseguem tratar problemas específicos de saúde. Isso acontece porque nosso corpo é um sistema extremamente complexo e bem regulado. Sendo assim, normalmente várias coisas precisam dar errado, mais ou menos ao mesmo tempo, para que o corpo apresente um problema. Quando isso acontece, não é um alimento ou nutriente específico que vai resolver o problema, uma vez que geralmente são vários pontos do sistema que estão desregulados. É por isso que precisamos pensar na alimentação como um todo, e não em alimentos ou nutrientes específicos, quando estamos falando de tratar ou prevenir um problema de saúde.

Essa é a regra. Mas todas as regras têm exceções.

No caso do olho seco, uma exceção pode ser a geleia real.

Em 2017, foi publicado o primeiro, e até agora único, estudo testando o efeito da suplementação de geleia real em pessoas que apresentam olho seco.

Os participantes do estudo foram mulheres e homens adultos, entre 20 e 60 anos. Todos referiam sintomas de olho seco, embora nem todos tivessem o diagnóstico confirmado. Isso acontece porque, além dos critérios subjetivos (sintomas), existem critérios objetivos (testes e exames) para que o diagnóstico seja feito.

O estudo contou com dois grupos experimentais: controle x geleia real. No grupo geleia real, cada pessoa consumia 6 tabletes por dia (1200 mg de geleia real por tablete), divididos em três doses diárias junto das principais refeições. No grupo controle, o protocolo foi exatamente o mesmo, trocando apenas os tabletes de geleia real por tabletes placebo.

A intervenção como um todo durou 8 semanas, mas mesmo após 4 semanas alguns resultados já haviam começado a aparecer no grupo que consumiu a geleia real. Tanto no BUT como no teste de Schirmer, os dois principais exames para se avaliar aqui, vemos resultados significativos não só do ponto de vista estatístico do estudo, mas também do ponto de vista clínico:




Isso fica ainda mais claro quando consideramos apenas os participantes que apresentaram teste de Schirmer ≤ 10 mm antes do início da intervenção. O teste de Schirmer mede a produção de lágrimas nos olhos, com valores mais baixos representando menor produção de lágrimas. Portanto, estamos falando das pessoas que apresentavam graus mais severos de olho seco. No estudo, foram justamente esses participantes que mais se beneficiaram da suplementação com geleia real. Em média, o resultado do teste de Schirmer foi de 5,6 mm antes do início do estudo; depois de 8 semanas, a média subiu para 14,7 mm.

Esse resultado é excepcional, porque um valor entre 10 e 15 mm no teste de Schirmer já pode ser considerados como normal. Ou seja, como um todo, esse subgrupo passou de “olho seco confirmado” para “olho com produção normal de lágrimas” depois de apenas 8 semanas de suplementação com geleia real.

E o mais interessante é que o estudo mostrou a evolução individual dos participantes:




Com exceção de dois pacientes que praticamente não responderam à suplementação, todos os outros tiveram melhoras significativas do ponto de vista clínico, com basicamente todos eles passando a apresentar valores superiores a 10 mm no teste de Schirmer.

E só para não deixar passar, uma palavrinha sobre o BUT. Esse é um exame que avalia a estabilidade do filme lacrimal, por meio do tempo que leva para a lágrima começar a se desfazer, ou “quebrar”, dentro do olho. A estabilidade lacrimal depende de vários fatores, sendo um deles a quantidade total de lágrimas que o olho produz. Como houve um crescimento expressivo na produção lacrimal após a suplementação de geleia real, visto pelo aumento nos valores do teste de Schirmer, é provável que o BUT também tenha apresentado melhoras devido a esse fato.

O que reforça isso é que, na porção do estudo que foi realizada em animais, na qual os pesquisadores puderam ir um pouco mais afundo no mecanismo pelo qual a geleia real é capaz de melhorar casos de olho seco, foi observado que parece existir um estímulo direto à secreção de lágrimas nas glândulas lacrimais. Isso seria capaz de explicar tanto o aumento nos valores do teste de Schirmer como o aumento nos valores de BUT.

E além dos benefícios clínicos, é importante citar que nenhum dos pacientes apresentou efeitos adversos ao longo do estudo, em nenhum dos dois grupo. Então, pelo menos no curto prazo, a quantidade administrada de geleia real parece ser segura e bem tolerada.

Considerando minha experiência, não me lembro de ter visto resultados tão expressivos como esses em estudos de suplementação. Com nenhum tipo de suplemento isolado. É claro que o ideal seria ter pelo menos alguns outros estudos para compararmos a esse, mas infelizmente não é o caso. Ainda assim, fica claro o potencial que a geleia real tem de beneficiar casos de olho seco.

Dito isso, vale mencionar duas ressalvas.

A primeira é a menor delas: a quantidade de geleia real suplementada foi bem considerável. Isso provavelmente não chega a ser um problema no sentido de ser difícil de ingerir ou de representar um risco à saúde. Mas talvez possa ser um empecilho financeiro para algumas pessoas. Porque suplementos de geleia real não são muito baratos, assim como é o caso de vários outros suplementos, principalmente na quantidade administrada nesse estudo.

Apesar disso, só foi testada uma dosagem de geleia real. Seria totalmente plausível imaginar que quantidades menores pudessem fazer o mesmo efeito. De forma semelhante, é possível supor que as pessoas que respondem bem à geleia real poderiam ingerir quantidades inferiores às utilizadas nesse estudo e ainda assim apresentarem o mesmo benefício. Essas questões podem ser testadas individualmente, para as pessoas que se interessarem em utilizar a geleia real em casos de olho seco.

A segunda ressalva é que não sabemos o efeito da suplementação no longo prazo. Como mencionei acima, os resultados do estudo indicam que o mecanismo de ação da geleia real sobre o olho seco seria por meio do estímulo à secreção de lágrimas nas glândulas lacrimais. Sendo assim, é possível imaginar que um estímulo constante, resultado de uma suplementação com duração de meses ou anos, poderia exaurir a capacidade de produção ou secreção das glândulas lacrimais. Isso, por sua vez, eventualmente poderia fazer com que a geleia real parasse de ter efeito no longo prazo. É claro que essa é só uma hipótese, mas algo que deve ser considerado.

E para finalizar, um relato da minha prática. Eu mesmo já testei o efeito da geleia real em pacientes e pude observar benefícios semelhantes aos apresentados no estudo. É verdade que se trata de uma amostra bem pequena, mas junto aos resultados do estudo tende a reforçar o potencial da geleia real em melhorar casos de olho seco.