No primeiro post dessa
série, exploramos como uma dieta com redução de carboidratos pode auxiliar
na redução de sintomas e no tratamento do refluxo. Comentamos também sobre o
fato de que os medicamentos normalmente utilizados no controle dessa patologia
podem, ao invés de melhorar, piorar o quadro da doença.
Para mostrar a efetividade da
redução de carboidratos sobre sinais e sintomas do refluxo, aqui está um caso
real.
Caso de hérnia de hiato
Indivíduo jovem, do sexo masculino, sem sobrepeso ou obesidade, realizou uma endoscopia de rotina e descobriu que possuía hérnia de hiato. Essa doença é caracterizada pelo deslocamento, ou protrusão, de uma parte do estômago através da musculatura do diafragma. O resultado disso é uma alteração anatômica e fisiológica do estômago, modificando a funcionalidade do esfíncter esofágico inferior (estrutura muscular que comunica o esôfago ao estômago) — facilitando o refluxo do conteúdo estômago para o esôfago [1].
É por isso que pacientes com hérnia de hiato normalmente apresentam refluxo [2]. Esse era justamente o caso do paciente em questão: hérnia de hiato + refluxo.
A imagem mais à esquerda é a do
estômago normal, enquanto que as demais figuras correspondem a duas situações
de hérnia de hiato. Importante de se observar é que, em ambos os casos de
hérnia, a anatomia e funcionalidade do estômago e do esfíncter esofágico
inferior são alteradas.
[Clique na imagem para visualizá-la em tamanho real]
Veja a situação inicial do
esôfago do paciente, já com lesões consideráveis:
[Clique na imagem para visualizá-la em tamanho real]
As partes com um vermelho mais
vivo, junto com uma coloração esbranquiçada, são as lesões no esôfago. Circulei
uma delas na imagem da esquerda para ficar mais fácil de observá-las. É
possível ver diversas e extensas lesões causadas pelo refluxo.
Tratamento
Como já havia lesões severas, e
como a hérnia de hiato já estava relativamente avançada, o médico levantou a
possibilidade de realizar uma cirurgia no estômago do paciente para corrigir o
problema. O objetivo da cirurgia seria principalmente para melhorar os sintomas
do refluxo e as lesões esofágicas causadas por essa doença, os quais
provavelmente ocorreriam porque a estrutura do estômago seria remodelada para
prevenir esses efeitos adversos.
Entretanto, antes de um
procedimento mais severo, o médico prescreveu o tratamento tradicional para o
tratamento do refluxo: um remédio para reduzir a secreção de ácido no estômago
e outro para aumentar a motilidade desse órgão. A menor secreção ácida
naturalmente faria com que o conteúdo do estômago se tornasse menos danoso às
células do esôfago, sempre que houvesse refluxo. A maior motilidade no estômago
faria com que o alimento permanecesse menos tempo no estômago e também
estimulasse menos a secreção ácida, desfavorecendo o retorno do conteúdo do
estômago para o esôfago. Na hipótese de melhora, o médico sinalizou que a medicação deveria ser utilizada de forma contínua (por período não determinado) pelo paciente. A descontinuidade do tratamento poderia comprometer qualquer melhoria alcançada ou até piorar o quadro.
Pela ânsia de tratar as lesões causadas pelo refluxo, e logicamente pelo receio da doença progredir, o paciente decidiu seguir a orientação média. Inicialmente, o tempo de tratamento com os dois medicamentos seria de 6 meses, quando, ao final do período, o paciente retornaria ao consultório médico para realizar uma nova endoscopia. O prognóstico não era tão otimista, uma vez que o médico não garantiu que haveria melhora rápida e significativa das lesões no esôfago — pelo menos não no curto ou médio prazo.
Pela ânsia de tratar as lesões causadas pelo refluxo, e logicamente pelo receio da doença progredir, o paciente decidiu seguir a orientação média. Inicialmente, o tempo de tratamento com os dois medicamentos seria de 6 meses, quando, ao final do período, o paciente retornaria ao consultório médico para realizar uma nova endoscopia. O prognóstico não era tão otimista, uma vez que o médico não garantiu que haveria melhora rápida e significativa das lesões no esôfago — pelo menos não no curto ou médio prazo.
Após 2 meses de tratamento com os medicamentos, o
paciente percebeu que sua alimentação poderia estar interferindo de alguma
forma nos sintomas do refluxo. Pouco tempo depois, ele tomou conhecimento que uma
dieta com redução de carboidratos poderia ajudar no tratamento do refluxo.
Nas primeiras semanas em que
modificou sua alimentação, continuou tomando os remédios como “garantia”.
Entretanto, já a partir do terceiro mês o paciente resolveu abandonar os medicamentos
para observar apenas o efeito da dieta sobre a sua condição.
O resultado de 3 meses realizando
apenas uma dieta com redução de carboidratos foi o seguinte:
[Clique na imagem para visualizá-la em tamanho real]
Como pode ser observado, houve melhora significativa das lesões com
a adoção de uma dieta reduzida em carboidratos. As lesões passaram a ser
quase que imperceptíveis. Além disso, os sintomas do refluxo, que no caso desse
paciente era a pirose (azia), também desapareceram.
Tratamento alternativo do refluxo: probióticos
Como comentamos na primeira parte desse post, o refluxo é comumente causado pelo aumento na pressão intra-abdominal, a qual pode ser facilmente decorrente do supercrescimento bacteriano no intestino delgado (SIBO) — onde a produção de gases desencadearia o aumento na pressão.
Existe a possibilidade de uma dieta reduzida em carboidratos (low-carb) não ser tão efetiva em alguns casos de refluxo? Provavelmente... Existe a possibilidade de uma dieta low-carb não ser tão efetiva no longo prazo, mesmo quando é efetiva no curto ou médio prazo? Também...
Isso pode acontecer porque a
proliferação bacteriana, seja no intestino grosso ou delgado, é dependente dos
substratos que fornecemos a elas (fibras alimentares, amido resistente,
oligossacarídeos etc.) e também dos tipos de bactérias que existem no nosso
intestino. Se não houver os tipos de bactérias com as quais evoluímos, e que normalmente colonizam nosso intestino
grosso ao invés do intestino delgado, existe a maior possibilidade de
crescimento de bactérias que não deveriam estar se proliferando no trato
gastrointestinal.
É preciso entender que as
bactérias competem entre si por espaço, alimento e condições para sobreviverem
em nosso intestino. Assim, caso uma dieta low-carb não funcione corretamente em
alguns casos de refluxo, é possível que o balanço entre as bactérias precise
ser alterado, par que as bactérias “benéficas” façam com que as bactérias
“ruins” percam espaço e descolonizem o intestino delgado. E isso possivelmente
pode ser alcançado com a suplementação
de probióticos (aquelas bactérias que são capazes de habitar e se
desenvolver no trato digestório) e com a adoção de algumas outras práticas
importantes.
Esse é um assunto muito escasso
de evidências na literatura científica, e pretendo abordá-lo com mais detalhes
futuramente. Considere conversar com um nutricionista ou profissional de saúde
qualificado para saber se a utilização de probióticos, além de um plano
alimentar individualizado e específico para essa finalidade, deve ser adotada.
Considerações finais
Nunca subestime o potencial que a
alimentação pode ter sobre as mais diversas condições patológicas. Vimos aqui, por meio de um caso real e prático, como uma dieta com redução de carboidratos pode ser
extremamente benéfica num caso onde os medicamentos são, muitas vezes, pouco
efetivos ou trazem inúmeros efeitos adversos.
E esse é mais um exemplo do
poder da Nutrição.
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Posts da série:
- Refluxo: sua relação com a alimentação — Parte 1
- Refluxo: sua relação com a alimentação — Parte 2
Referências
1. Kahrilas PJ. The role of hiatus hernia in GERD. Yale J Biol Med.
1999;72(2-3):101-11.
2. Gordon C, et al. The role of the hiatus hernia in
gastro-oesophageal reflux disease. Aliment Pharmacol Ther. 2004;20(7):719-32.