A ideia de que deveríamos
consumir dietas com baixa quantidade de gordura saturada se baseia em dois
argumentos principais que estão intimamente ligados. O primeiro diz respeito ao
suposto efeito negativo que esse nutriente tem sobre a saúde; nesse caso, a
simples presença de alimentos fontes de gordura saturada já não seria algo
desejável. O segundo, como consequência do anterior, implica na seguinte
lógica: quanto menor for o consumo de gordura saturada, um nutriente com potencial
deletério, melhor será nossa saúde; ou, se o consumo de gordura saturada
representar apenas X% das calorias da dieta, não teremos muitos problemas.
De fato, se tivéssemos a
oportunidade de perguntar às pessoas que defendem a menor ingestão de gordura
saturada o porquê desse posicionamento, uma resposta comum provavelmente seria
algo como “Nossa população consome muita
gordura saturada, e (em excesso) esse nutriente pode causar problemas de saúde”.
Isso quer dizer que,
considerando a ideia enraizada no conhecimento popular de que a gordura
saturada faz mal, a percepção geral é que o consumo desse nutriente é elevado
ou está em “excesso” das nossas necessidades — e por isso precisa ser
reduzido.
Mas será que o nosso
consumo de gordura saturada é realmente excessivo? Será que a “dieta ocidental”* é
mesmo rica nesse nutriente?
*O termo dieta ocidental, nesse texto, engloba o padrão alimentar predominante não apenas no
ocidente (incluindo o Brasil), mas na maioria dos países com moderado a elevado
grau de desenvolvimento econômico e social, medidos por indicadores tradicionalmente
utilizados para esses fins. Nesses países, a dieta ocidental possui as
seguintes características: ingestão elevada de produtos processados e
refinados; consumo relativamente alto de alimentos de origem animal, incluindo
principalmente carnes e laticínios; e ingestão relativamente baixa de frutas e
hortaliças.
Para analisarmos melhor
essa questão, podemos desmembrar as perguntas acima em três partes:
1)
Como se compara a ingestão de gordura saturada por populações que consomem uma
dieta ocidental em relação a populações que não consomem tal dieta?
2)
Como foi a tendência de consumo de gordura saturada, nas últimas décadas,
dentro dos próprios países do “ocidente”? Houve um aumento na ingestão desse
nutriente que poderia explicar o aumento na prevalência de doenças
crônicas — especialmente de doenças cardiovasculares?
3)
Se considerarmos as populações que mais consomem ou consumiram gordura saturada
no mundo, como essa ingestão se compara ao de países que possuem o padrão da dieta ocidental? O consumo verdadeiramente elevado de gordura
saturada está associado ao desenvolvimento de doenças crônicas?
Com isso em mente, vejamos
o que os fatos nos mostram.
Gordura saturada nos alimentos
Como mencionei acima, uma
das principais características daquela que é considerada a dieta ocidental das
populações mais afluentes é uma presença relativamente alta de alimentos de
origem animal. Por esse motivo, pode ser até intuitivo achar que essas dietas são
ricas em gordura saturada, uma vez que os alimentos de origem animal são de fato boas
fontes desse nutriente.
Porém, mesmo considerando
que carnes, ovos e laticínios, assim como seus derivados, contêm uma quantidade bastante razoável de
gorduras saturadas em suas composições, a percepção que temos do teor desse
nutriente nesses alimentos normalmente é um pouco distorcida.
A maioria dos cortes de carne
bovina possui essencialmente as mesmas quantidades de gorduras saturadas e de
gorduras monoinsaturadas. Em carnes suínas, por outro lado, a quantidade de
gorduras monoinsaturadas na maioria das vezes é até superior à quantidade de
gorduras saturadas. Já para as carnes de aves, as concentrações de gorduras
saturadas são ainda menores do que nesses dois outros tipos, uma vez que elas
possuem uma tendência de acumular também gorduras poli-insaturadas em suas
composições (o que também é verdade, em menor grau, para as carnes suínas).
Os ovos, tanto de galinha
como de codorna, também possuem mais gorduras monoinsaturadas do que saturadas
em suas composições.
Abaixo, alguns exemplos
das concentrações das três grandes classes de gorduras encontradas em carnes e
ovos (a cada 100 g de alimento):
Assim, é possível perceber que,
para carnes e ovos, em geral o teor de gordura saturada corresponde
a 50% ou menos da quantidade total de gordura desses alimentos. As
monoinsaturadas, e não as saturadas, normalmente são o principal tipo de
gordura encontrada nesses alimentos.
E os peixes? Os peixes
também são carnes, mas resolvi separá-los nessa análise para desmistificar
outra questão: a de que eles são saudáveis por conterem, além de ômega-3
(alguns peixes, mas não todos), menor quantidade de gorduras saturadas e maior
teor de gorduras poli-insaturadas.
É verdade que muitos
peixes possuem um baixo teor de gordura total quando comparados a outros
animais, mas, proporcionalmente, a concentração de gordura saturada não é
pequena. Exemplos comumente consumidos, como atum, pescada, sardinha e merluza,
possuem maiores quantidades de gorduras saturadas e monoinsaturadas do que de
gorduras poli-insaturadas em suas composições. Mesmo as exceções, como o salmão — que possui mais gorduras poli-insaturadas do que os outros dois tipos —,
ainda sim não possui baixa quantidade de gorduras saturadas (e nem de monoinsaturadas) quando comparada ao teor de poli-insaturadas.
Tipos e quantidades de
gorduras em peixes (por 100 g de alimento):
Para os laticínios, a
história é um pouco diferente. A composição dos leites e derivados pode variar
bastante entre as espécies animais, então não é possível fazer uma
generalização. Considerando os laticínios da vaca, que correspondem ao
principal tipo consumido no mundo, podemos afirmar que esses são alimentos mais
ricos em gorduras saturadas do que as carnes, ovos e peixes: cerca de 2/3 (ou
até mais) de toda a gordura presente neles corresponde a gorduras
saturadas.
Assim, fica a pergunta: é verdade que os alimentos de origem animal apresentam grande quantidade de gordura saturada?
Depende de qual perspectiva estamos avaliando a questão. Se compararmos o teor de gordura saturada de alimentos de origem animal à quantidade presente na maioria dos vegetais, mesmo nos ricos em gordura total, podemos afirmar com segurança que, no geral, os alimentos de origem animal são sim ricos em gordura saturada.
Além disso, podemos considerar o fato de que grande parte dos alimentos de origem animal possuem mais gorduras monoinsaturadas do que saturadas em sua composição. Por esse lado, olhando apenas para os tipos de gordura presentes em cada alimento individualmente, os alimentos de origem animal não são tão ricos assim em gordura saturada. Mesmo assim, a grande presença de gorduras monoinsaturadas não é uma característica particular dos alimentos de origem animal, porque é fácil encontrar na natureza alimentos de origem vegetal que também são ricos nesse tipo de gordura: azeitona, abacate, diversas sementes e oleaginosas. Portanto, considerando que a maior concentração de gordura saturada nos alimentos de origem animal é uma característica inerente a eles — não muito comum em alimentos vegetais —, temos mais um motivo para considerá-los como fontes importantes desse nutriente.
Assim, fica a pergunta: é verdade que os alimentos de origem animal apresentam grande quantidade de gordura saturada?
Depende de qual perspectiva estamos avaliando a questão. Se compararmos o teor de gordura saturada de alimentos de origem animal à quantidade presente na maioria dos vegetais, mesmo nos ricos em gordura total, podemos afirmar com segurança que, no geral, os alimentos de origem animal são sim ricos em gordura saturada.
Além disso, podemos considerar o fato de que grande parte dos alimentos de origem animal possuem mais gorduras monoinsaturadas do que saturadas em sua composição. Por esse lado, olhando apenas para os tipos de gordura presentes em cada alimento individualmente, os alimentos de origem animal não são tão ricos assim em gordura saturada. Mesmo assim, a grande presença de gorduras monoinsaturadas não é uma característica particular dos alimentos de origem animal, porque é fácil encontrar na natureza alimentos de origem vegetal que também são ricos nesse tipo de gordura: azeitona, abacate, diversas sementes e oleaginosas. Portanto, considerando que a maior concentração de gordura saturada nos alimentos de origem animal é uma característica inerente a eles — não muito comum em alimentos vegetais —, temos mais um motivo para considerá-los como fontes importantes desse nutriente.
No entanto, sabe quem são
os alimentos mais ricos em gorduras saturadas no mundo? Os óleos e gorduras vegetais
de frutos tropicais, como coco, palma e cacau, com concentrações de gordura
saturada que podem variar de 60 a 90% da quantidade total de gordura presente nesses alimentos, dependendo da época e da região onde são produzidos. Por isso, é possível
afirmar que os alimentos de origem animal, comumente classificados como ricos
em gorduras saturadas, quando considerados individualmente, são na verdade apenas fontes razoáveis ou moderadas desse
nutriente — com concentrações consideravelmente menores do que se imagina,
principalmente quando comparados a alguns frutos tropicais.
Por outro lado, vale
ressaltar que os alimentos de origem animal, mesmo com uma quantidade
proporcional de gordura saturada inferior à dos óleos tropicais, normalmente
são mais representativos na dieta da maioria das pessoas: é muito mais comum
consumirmos diariamente quantidades mais significativas de carnes e laticínios,
por exemplo, do que de óleo de palma ou manteiga cacau — ou até mesmo de óleo
de coco, apesar de seu consumo ter aumentado substancialmente nos últimos anos.
Assim, apesar de os alimentos de origem animal não possuírem um teor
proporcional tão grande de gorduras saturadas, quando comparado à concentração
nos óleos desses frutos tropicais, em números absolutos a quantidade ingerida
de gordura, total e saturada, tende a ser superior para esses alimentos.
Por esses motivos,
principalmente considerando a participação quantitativa dos alimentos fontes de
gordura saturada em nossas dietas, a preocupação que muitas pessoas têm em
diminuirmos o consumo desse nutriente ainda parece ser algo legítimo quando
visto por essa perspectiva.
Mas a história vai muito
além do fato de a gordura saturada animal ser mais
representativa que a gordura saturada vegetal. Precisamos explorar mais para
entendermos se o que consumimos é realmente "excessivo", e se toda a preocupação é necessária ou justificável,
Consumo de gordura saturada por diferentes populações
Agora, falando realmente
sobre consumo, a primeira coisa que precisamos saber é: quanto de gordura
saturada as populações que possuem uma dieta ocidental de fato ingerem? Para
simplificar a história, trabalharemos primeiramente apenas com dois países:
Brasil e Estados Unidos.
Segundo a última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), o inquérito mais representativo que temos para o consumo de alimentos e nutrientes no Brasil, a ingestão média de gordura saturada pelo
brasileiro foi de 18,7 g/dia nos anos 2008 e 2009. Especificamente para as
mulheres, a média foi de 17,2 g/dia, enquanto que para os homens foi de 20,3
g/dia.
É natural que, em números
absolutos, as mulheres apresentem uma ingestão um pouco menor de gordura
saturada (e de outros nutrientes), tendo em vista que elas, em geral, consomem um volume alimentar total
que também é inferior. Tanto é que, em percentuais, as gorduras
saturadas representaram basicamente o mesmo para o total das calorias em ambos
os sexos: 9,2% das kcal ingeridas pelos homens e 9,7% das kcal ingeridas pelas
mulheres.
Podemos comparar esses
valores aos obtidos na POF anterior, conduzida entre 2002 e 2003.
Apesar de não fornecer dados em valores absolutos e nem estratificá-los por
gênero, foi verificado que a gordura saturada, nesses anos, contribuía para
aproximadamente 8,6% do total da ingestão calórica estimada dos brasileiros. Assim, nota-se que
houve um aumento nominal de 1% nas calorias provenientes de gorduras saturadas
entre 2002-2003 e 2008-2009.
Considerando a mesma
ingestão energética média entre esses anos, que seria de aproximadamente 1780
kcal/dia (média entre homens e mulheres na POF 2008-2009), o aumento, em
números absolutos, seria de 17,0 para 18,7 g/dia de gorduras saturadas. Ou
seja, o aumento de 1% no consumo, de 2002-2003 para 2008-2009, corresponde à ingestão de apenas 1,7 g/dia a mais de
gordura saturada para a população brasileira.
Para o Brasil, não temos
muito dados além desses. Para os Estados Unidos, porém, as informações são
bem mais ricas.
O USDA, órgão
norte-americano que cuida de assuntos relacionados a agricultura e alimentação
nos Estados Unidos, coleta dados sobre a disponibilidade de alimentos desde o
início do século XX.
A tabela abaixo, retirada
do documento Nutrient Content of theU.S. Food Supply, 1909-2004, faz um belo resumo desses dados.
Deixei apenas as informações referentes a calorias, gorduras e colesterol, mas
a tabela na íntegra pode ser visualizada no link:
Pode ser observado que a quantidade
de gordura saturada disponível para consumo foi praticamente a mesma em todos os anos entre 1909
e 2004; são quase 100 anos sem alterações. Nem mesmo no período (décadas de 30
a 60) de epidemia de doenças cardiovasculares nos Estados Unidos, que são os principais problemas
atribuídos ao consumo “excessivo” de gordura saturada, a disponibilidade de
gordura saturada para consumo aumentou. Essa evidência sozinha, por
mais simples que pareça, seria suficiente para seriamente questionar qualquer
associação entre gordura saturada e doenças cardiovasculares.
Vale ressaltar que esses dados
do USDA são de disponibilidade de alimentos e nutrientes, e não de consumo.
Nem tudo que está disponível, como alimentos produzidos ou importados, é consumido. Por isso, apenas com esses
dados, não é possível sabermos exatamente qual é o consumo médio de gordura
saturada ao longo desses anos para a população dos Estados Unidos. Mesmo assim,
é possível inferir algo interessante: como a disponibilidade foi essencialmente
a mesma, é muito provável que a ingestão média, ao longo dos anos, praticamente não tenha variado.
E de fato foi isso que
aconteceu, porque também temos disponíveis as informações sobre o consumo estimado de diversos nutrientes. Nos
Estados Unidos, há um inquérito nacional conduzido anualmente, desde 1999,
sobre saúde e nutrição: o NHANES. Para o consumo de nutrientes, os
dados disponíveis vão de 2001 a 2012.
Para facilitar a
visualização dos dados, que estão contidos em arquivos dispersos, compilei as
informações sobre gordura saturada na tabela abaixo, considerando a média de consumo de mulheres e homens adultos:
É possível perceber que,
tanto em quantidades absolutas como em percentual do total de calorias, a população dos Estados Unidos parece ingerir mais gordura saturada que os
brasileiros em qualquer ponto desse período de 12 anos, variando de 25,5 a 27,8
g/dia (10,9% a 11,6% das kcal).
Mas o mais interessante
de tudo é quando analisamos a tendência global de consumo de gordura saturada.
Na análise sistemática mais completa já realizada, publicada em 2014, incluindo dados
de pesquisas populacionais de 266 regiões globais, Micha e colaboradores verificaram que
a média de consumo mundial de gordura
saturada corresponde a 9,4% das calorias totais ingeridas.
A maior parte dos países
e regiões do mundo consumia, nesse período, entre 7% e 14% das calorias na forma
de gordura saturada. Portanto, vemos que Brasil e Estados Unidos, assim como a
maioria das outras nações, possuem uma ingestão de gordura saturada que não
apenas está de acordo com ou próximo do que normalmente é preconizado, mas
também que, de maneira geral, não existe uma variação tão grande entre os
países ao redor do globo — tenham ou não tenham a dieta ocidental como padrão alimentar.
Além disso, esse estudo
revelou algo ainda mais interessante. De 1990 a 2010, praticamente não houve
alteração alguma, em lugar nenhum do mundo, na média de ingestão de gordura
saturada por países e suas regiões — exatamente como mencionado anteriormente
para o Brasil e para os Estados Unidos. Ou seja, cada país parece ter continuado a consumir a mesma quantidade de gordura saturada ao longo desse período de 20 anos:
O que é um consumo ‘elevado’ de gordura saturada?
O termo “excessivo”
normalmente é usado quando queremos nos referir ao fato de que um nutriente ou
substância encontra-se em quantidades que vão além daquilo que é ideal ou
sustentável para o corpo, com a possibilidade de causar danos ou prejuízos.
Sendo assim, se alguém afirma que o consumo de gordura saturada é “excessivo” (em
uma dieta ou refeição, por exemplo), essa pessoa passa a ideia de que está se
referindo a uma quantidade que pode levar a problemas de saúde.
Como a discussão aqui, por enquanto, não
é especificamente sobre os efeitos da gordura saturada sobre a saúde (apesar
dessa questão ser inerente ao texto), acredito que seja melhor falarmos
sobre consumo elevado em vez de consumo “excessivo”. Mesmo sendo muitas
vezes usados como sinônimos, principalmente no contexto de nutrientes que são
considerados “ruins”, como a própria gordura saturada, esses termos não são
equivalentes.
O termo “elevado” implica
apenas que alguma coisa é maior que outra; elevado não significa excesso. Os
Estados Unidos possuem um consumo (26,5 g/dia) mais elevado de gordura saturada
que o Brasil (18,7 g/dia), mas isso por si só, de forma alguma, quer dizer que
a ingestão desse nutriente pelos norte-americanos é excessiva.
Se não estivermos falando
do impacto que a gordura saturada tem na saúde, não podemos falar sobre
“excesso”. E, mesmo que estivéssemos discutindo especificamente os efeitos na
saúde, como não existem evidências concretas de que a gordura saturada faz mal, ainda sim a troca de termos seria
desejável.
Sendo assim, como saber,
por exemplo, se o consumo de gordura saturada pela população dos Estados Unidos
é realmente elevado? Em relação ao Brasil certamente é, mas e em relação à ingestão de
outras populações?
Para responder a essa
pergunta, podemos inicialmente olhar para a figura da ingestão global de
gordura saturada nas diversas regiões do mundo entre os anos de 1990 e 2010,
mais acima. Usando os Estados Unidos como referencial de dieta ocidental,
rapidamente percebemos que diversas regiões do mundo possuem consumo superior
de gordura saturada: África Central e Ocidental, Ásia Central, Europa, Oceania
e Ilhas do Pacífico.
Isso é muita gente. Só com essa imagem é possível perceber que o consumo de gordura saturada nos Estados Unidos não é tão alto assim.
Mas e essas outras regiões com ingestão superior à dos Estados Unidos? Será que a ingestão dessas populações é tão elevada assim? A gordura saturada consumida pela Oceania, que chega a quase 24% das calorias diárias, é realmente uma quantidade elevada desse nutriente?
Mas e essas outras regiões com ingestão superior à dos Estados Unidos? Será que a ingestão dessas populações é tão elevada assim? A gordura saturada consumida pela Oceania, que chega a quase 24% das calorias diárias, é realmente uma quantidade elevada desse nutriente?
E é aqui vem a parte mais
interessante.
Se quisermos falar de
populações que possuem uma ingestão verdadeiramente alta de gordura saturada,
podemos falar dos Maasai ou dos Samburu, por exemplo.
Esses grupos são
estudados desde a década de 60, com o objetivo de entender como o elevado
consumo de gordura animal, rica em ácidos graxos saturados, se relaciona com a
saúde, principalmente a cardiovascular. O interesse nelas surgiu justamente na
época em que se começou a desconfiar da gordura saturada como
causas de doenças cardíacas e derrame.
Enquanto Ancel Keys, Laurence Kinsell e outros defendiam veementemente que a gordura saturada na dieta era um
grande problema, apesar de haver muitas evidências contrárias a essa ideia,
outros pesquisadores eram mais céticos. Ao contrário do que muitos fizeram, eles
buscaram pela falseabilidade dessa hipótese, como proposto por
Karl Popper.
Por sobreviverem do
pastoreio, a característica mais marcante observada à época era o
impressionante consumo de leite dessas populações. Dependendo da idade e do
sexo do indivíduo, assim como das estações do ano, o consumo poderia ir de três até sete litros por dia. O consumo médio de
calorias para essas populações foi documentado em aproximadamente 3000 kcal/dia em estudos diversos, mas podia chegar a 5000 kcal/dia em homens, dependendo da idade e, principalmente, da época do ano — que determinava, em grande parte, a oferta de
leite disponível.
O leite dos animais
criados nessas regiões do Quênia possui cerca de 5,6% de gordura em sua composição. Com uma ingestão média de leite
nessas populações de 3 litros para os jovens e de 6 litros para os homens
adultos, temos um consumo equivalente a, respectivamente, 168 e 336 g/dia de gordura total na dieta desses indivíduos — proveniente apenas do leite.
Considerando que 73,6% da gordura presente no leite dessa região é composta por ácidos graxos saturados, chegamos a uma ingestão de gordura saturada de mais de 120 e 240 g/dia para
jovens e homens adultos, respectivamente. Comparados ao resto do mundo, com uma
ingestão que normalmente não passa de 30 ou 40 g/dia (nos países com maior consumo), esses
sim são valores realmente elevados de gordura saturada na dieta.
E tem um detalhe interessante: caso alguém esteja se perguntando, os Maasai e os Samburu possuem incidências e prevalências extremamente baixas de doenças
cardiovasculares, além de baixos níveis sanguíneos de colesterol total e
LDLc (não que essa parte final seja realmente importante, porque os desfechos verdadeiramente relevantes — as doenças cardiovasculares em si — praticamente não ocorrem nessas populações).
Mas essa história não se resume ao Quênia.
Mas essa história não se resume ao Quênia.
Temos também o pessoal de
Tokelau, situada na Polinésia. O coco era
um alimento tão importante para os habitantes da ilha que era consumido em
todos os tipos de refeições e com os mais diversos alimentos: fruta-pão, peixes, polvo, fruta de pandanus, banana, inhame.
Seja na forma de óleo, polpa, creme ou leite, o alto consumo de coco naturalmente levava os indivíduos a terem uma ingestão bastante elevada de gorduras saturadas. A importância do coco era tão grande que esse alimento, sozinho, representava 63% do total de calorias ingeridas pela população de Tokelau, como pode ser observado na tabela abaixo, na primeira linha da terceira coluna:
Seja na forma de óleo, polpa, creme ou leite, o alto consumo de coco naturalmente levava os indivíduos a terem uma ingestão bastante elevada de gorduras saturadas. A importância do coco era tão grande que esse alimento, sozinho, representava 63% do total de calorias ingeridas pela população de Tokelau, como pode ser observado na tabela abaixo, na primeira linha da terceira coluna:
Por isso, 49% do total de
calorias das mulheres adultas, e 47% dos homens adultos, eram provenientes de
gorduras saturadas. Em números absolutos, isso significa 120 g/dia para as mulheres e 137 g/dia para os homens. Não chegavam
aos valores máximos dos Maasai e Samburu, mas são equivalentes aos valores mais
básicos dessas duas populações africanas — além de serem, é claro, muito mais elevados
que as quantidades observadas em praticamente qualquer outro lugar do mundo.
Novamente, esse braço dos
estudos da população de Tokelau foi primariamente motivado para se compreender
a relação entre gordura saturada e saúde cardiovascular. E, novamente, os
resultados foram os mesmos observados para os Maasai e Samburu: elevadíssimo consumo
de gordura saturada com baixíssima prevalência de problemas cardiovasculares e outras doenças crônicas. Essas
associações não necessariamente significam uma relação causal, mas, mais uma vez, podem
facilmente colocar em cheque a suposta relação positiva entre o maior consumo
de gorduras saturadas e o desenvolvimento de doenças cardiovasculares.
Curiosamente, quando o
movimento migratório de Tokelau para a ilha principal, a Nova Zelândia, se
iniciou, não foram vistas muitas alterações na incidência de doenças crônicas.
Porém, com o passar do tempo e com hábitos alimentares cada vez mais
modificados e integrados ao padrão ocidental, as pessoas começaram a
desenvolver várias doenças crônicas, como diabetes tipo 2, hipertensão arterial (sistólica e diastólica) e gota — todas diretamente relacionadas à
síndrome metabólica. E tudo isso com uma menor ingestão de gordura saturada quando comparada à ingestão das pessoas que permaneceram morando em Tokelau.
Considerações finais
O consumo de gordura
saturada na dieta ocidental não apenas não está aumentando como nunca foi, de
fato, elevado — e muito menos “excessivo”. Mesmo considerando que os dados
populacionais coletados são imperfeitos, e que eles têm grande chance de
estarem subestimando a verdadeira ingestão média ao redor do mundo, ainda assim
as dietas ocidentais estão longe de serem ricas em gorduras saturadas.
Para completar, temos
exemplos de populações tradicionais com padrões alimentares extremamente ricos
em gordura saturada, como Maasai, Samburu e Tokelau, que mesmo assim não
desenvolvem problemas cardiovasculares — e, de maneira geral, também não
sucumbem a outros problemas crônicos e metabólicos.
Como, então, podem dizer que a
gordura saturada é realmente um problema?
Mais importante: como podem
afirmar e demandar que quase todo mundo, especialmente as populações que
consomem dietas ocidentais, precisam reduzir a ingestão de gorduras saturadas?
Essas perguntas surgem
porque ainda tem muita gente, principalmente órgãos e instituições que formulam
diretrizes, dizendo que a gordura saturada faz mal. Mas vale sempre lembrar que
as evidências mais relevantes mostram claramente que o consumo de gordura
saturada não está associado a problemas cardiovasculares.
Se esses dados sugerem
uma ausência de associação com doenças cardiovasculares (com uma relação inversa no caso do derrame), e as populações tradicionais nos
mostram que a gordura saturada em quantidades verdadeiramente elevadas parecem realmente não ser prejudiciais, por que esse nutriente ainda é considerado como um fator relevante
nos problemas relacionados às dietas ocidentais?
Ainda mais levando em conta que as dietas ocidentais não são, e nunca foram, ricas em gorduras saturadas.
Aos poucos a verdade será mais clara para todos.
ResponderExcluirÓtima postagem. Obrigado por tanta informação!!!
ResponderExcluirSó uma dúvida, já vi que a gordura saturada é neutra, tipo, não faz o mal que lhe é atribuído mas também não vai aumentar sua saúde.
Já a gordura monosaturada (azeite e afins) é uma gordura que faz bem para nós.
E em relação as outras gorduras: poli-saturada, mono-INsaturada, poli-INsaturada. Essas gorduras são boas? Ruins? Neutras?
Mais uma vez, obrigado.
Não existem gorduras "monossaturadas". A gordura encontrada em boa quantidade em azeite de oliva, abacate etc. é a monoinsaturada. Assim como só existe a polinsaturada, não "polissaturada". Vou dar minha opinião.
ExcluirEsse último também é interessante ser consumido, inclusive é nesse grupo que se encontram as do tipo ômega-3. Esse tipo de gordura é muito suscetível ao calor e é encontrado em grande quantidade, na forma de ômega-6, nos óleos vegetais refinados. Estes passaram por um processo de refino bem agressivo e, como se isso não bastasse, são usados em altas temperaturas, razão pela qual isso seria um consumo não saudável, e até mesmo inflamatório, das polinsaturadas.
Na minha opinião, em resumo é o seguinte:
Gorduras saturadas em alimentos naturais, em uma alimentação saudável, terão seu consumo regulado automaticamente pela saciedade, não representando perigo e talvez até benefícios.
Gorduras monoinsaturadas: ótimas, parecem ser benéficas.
Gorduras polinsaturadas: evite aquecê-las, consuma quando naturalmente presentes nos alimentos, evitando altas concentrações (óleos vegetais, os amarelinhos de cozinha). Foque nas do tipo ômega-3.
https://cienciadanutricao.blogspot.com.br/2014/10/como-aumentar-seus-niveis-de-omega-3.html
ExcluirOlá, Ivo.
ExcluirVou te dar alguns exemplos de por que as gorduras saturadas não são apenas “neutras”. A seguir, vou usar o termo “ácido graxo” para me referir às moléculas que são os componentes básicos das gorduras encontradas no corpo humano e nos alimentos.
https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%81cido_graxo
Os ácidos graxos de cadeia ímpar (15 e 17 carbonos), presentes principalmente nos laticínios, já foram consistentemente associados ao menor risco de obesidade, resistência à insulina e diabetes tipo 2. Além disso, o primeiro estudo experimental, para tentar determinar causa e efeito, que foi realizado em golfinhos, verificou que o ácido heptadecanoico (17 carbonos) pode realmente ter um papel direto na prevenção ou tratamento da síndrome metabólica.
Além disso, os ácidos graxos de cadeia curta (2 a 4 carbonos) também são gorduras saturadas. Apesar das pessoas relacionarem acetato, propionato e butirato apenas às fibras alimentares, já que esses ácidos graxos são subprodutos das fibras a partir da metabolização por bactérias intestinais, eles também podem ser encontrados em alimentos. O butirato, por exemplo, pode ser encontrado em quantidades bem razoáveis na manteiga (ou na gordura de laticínios em geral). Isso pode ajudar a explicar também, por exemplo, por que existem associações positivas que são observadas apenas com o consumo de leite e derivados integrais, mas não desnatados. Só para ficar um pouco mais claro, os ácidos graxos de cadeia curta têm um potencial benéfico em diversas partes do metabolismo, principalmente no sentido de modular a inflamação e regular crescimento e desenvolvimento de células intestinais.
Mais um exemplo: ácidos graxos de cadeia média (6 a 10 carbonos, e às vezes o ácido láurico, de 12 carbonos, que pode ser metabolizado como cadeia média ou como cadeia longa, a depender de com o corpo vai utilizá-lo). Todos eles também são gorduras saturadas. Além de serem ótimos substratos para a produção de corpos cetônicos (menos o ácido láurico), que por sua vez podem ter alguns efeitos metabólicos benéficos, os ácidos graxos de cadeia média também podem ter outras funções interessantes. A atividade antifúngica do óleo de coco, por exemplo, se deve à presença de ácidos graxos de cadeia média em sua composição.
E temos também os ácidos graxos saturados de cadeia muito longa (20 carbonos ou mais). Como começaram a ser estudados apenas mais recentemente, ainda não se sabe muito sobre eles. Mas os estudos têm demonstrado uma associação inversa entre níveis corporais de ácidos graxos de cadeia muito longa e problemas metabólicos. Isso talvez não queira dizer muita coisa, porque a princípio esses ácidos graxos não são encontrados em quantidade muito grande na alimentação. O tempo dirá.
Sem contar o efeito positivo de alguns ácidos graxos de cadeia longa (14 a 18 carbonos) sobre a esteatose hepática. Mas essa é uma história para outro momento... Pretendo abordar essa questão em um texto futuro.
Olá, Lucas.
ExcluirVou fazer algumas observações em relação ao que você falou sobre benefícios dos diferentes grupos de gorduras.
Sobre as saturadas, expliquei acima no comentário acima.
Sobre as monoinsaturadas, a verdade é que não existem muitas evidências mostrando efeitos positivos dessas gorduras em si. Na realidade, quando algum tipo de benefício é observado, normalmente é um efeito de um alimento que contêm gorduras monoinsaturadas, e não das gorduras propriamente ditas. Por exemplo, é bastante comum a ingestão de azeite e abacate estar associada a alguns benefícios, mas as pessoas pegam dados como esse para dizer que o possível efeito positivo é decorrente das "gorduras boas" desses alimentos. Mas, como falei, esse tipo de extrapolação de resultados não pode ser feita.
Se a associação positiva foi determinada para o alimento, não podemos pegar apenas uma parte dele, como as gorduras monoinsaturadas, e dizer que o possível benefício é conferido por ela. Para que isso seja possível, as evidências precisam existir tanto para o alimento como para o nutriente. O caso dos laticínios é um exemplo. Existem estudos mostrando associações benéficas com o consumo de leite e derivados integrais e também há associações benéficas com a gordura do leite. Nesse caso, podemos afirmar que os ácidos graxos de cadeia ímpar do leite realmente poderiam estar por trás dos supostos efeitos positivos.
Só pra dar mais alguns exemplos. No estudo de Framingham, a maior ingestão de gordura monoinsaturada foi associada ao maior risco de desenvolver doença arterial coronariana; provavelmente não é uma relação causal, mas é uma demonstração de que a gordura monoinsaturada da dieta não ajudou na saúde cardiovascular dessa população. Existem também evidências de ensaios clínicos mostrando que a gordura monoinsaturada talvez seja simplesmente "neutra". Novamente, isso não quer dizer que os alimentos que contêm essas gorduras não possam ser bons para a saúde, mas sim que os possíveis efeitos benéficos vão além (ou são independentes) dessas gorduras.
Em relação às gorduras poli-insaturadas, elas são realmente mais sensíveis, e por isso devem ser manuseadas com cuidado, evitando exposição ao calor e também ao oxigênio. A farinha de linhaça, por exemplo, por ser um alimento moído, tem seus ácidos graxos ômega-3 expostos ao ar. É bem possível que a ingestão desse alimento não seja tão positiva quanto ingerir a linhaça moída na hora.
Sobre os benefícios, existem várias e várias condições nas quais os ômega-3, principalmente EPA e DHA, que são as formas "ativas" encontradas virtualmente apenas em alimentos de origem animal, podem atuar. O ômega-3 é um tipo de gordura que pode, no geral, ser considerado como realmente benéfico.
Só pra não passar em branco, um breve comentário sobre os ácidos graxos do tipo ômega-6: les provavelmente são muito menos prejudiciais do que muitas pessoas afirmam por aí. Os óleos vegetais, que são ricos em ômega-6, tem um potencial negativo enorme. Porém, fontes naturais ricas em ômega-6 normalmente não trazem prejuízos, e podem até trazer benefícios. As nozes e castanhas são um exemplo disso: sempre estão associadas a efeitos benéficos nos estudos observacionais, principalmente com a saúde cardiovascular.
Esclarecimentos de grande valia, muito obrigado!
ExcluirOlá João Gabriel,
ResponderExcluirParabéns pelas suas postagens . São interessantes e ricas informações! Uma dica para próximo tema seria sobre os triglicerídeos. Tenho muita dúvida sobre essa doença. Qual é realmente a causa do aumento em nosso corpo?
Até mais!
Olá, Priscila!
ExcluirEsse é um assunto que, apesar de ser complexo por um lado, é relativamente simples por outro. Vou explicar brevemente a parte mais simples.
Se o aumento nos níveis sanguíneos de triglicerídeos for acompanhado por alterações nos níveis de glicose, insulina, colesterol (LDL e HDL) e/ou gordura corporal (principalmente abdominal), isso significa que a pessoa está desenvolvendo síndrome metabólica. Nessa condição, o indivíduo possui um risco aumentado de diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares.
Apesar de estar presente nesses problemas metabólicos, os triglicerídeos provavelmente são apenas MARCADORES da doença, e não um fator que está contribuindo de forma direta para tais complicações. Ou seja, junto com outras alterações metabólicas (na glicemia, insulinemia etc), o aumento nos níveis de triglicerídeos no informa que a pessoa precisa ser tratada para voltar a um estado metabólico "normal".
Por outro lado, se houver um aumento isolado nos níveis de triglicerídeos, é bem possível que isso não signifique um problema, mas que seja apenas um reflexo da dieta da pessoa. Por exemplo, é possível consumir dietas saudáveis que são ricas em carboidratos. Nesses casos, a pessoa pode sim ter níveis mais elevados de triglicerídeos, mas que provavelmente ainda vão estar abaixo dos 150 mg/dL (considerado como valor de referência). Mesmo com 120 ou 130 mg/dL, por exemplo, é bem provável que esteja tudo ok com essa pessoa, desde que não haja alterações em outros marcadores metabólicos que também podem ser medidos no sangue.
O problema é que esse último cenário é a exceção. Provavelmente 99,9% das pessoas que desenvolvem níveis elevados de triglicerídeos se encaixam no primeiro exemplo que dei, acompanhado de ganho de peso e diversas outras alterações metabólicas.
Muito obrigado João pela resposta. Abraço.
ExcluirEu que agradeço pela leitura!
ExcluirParabéns pelo artigo! Muito bem pesquisado, esclarecedor e útil! Obrigada
ResponderExcluirEu que agradeço pela leitura!
ExcluirMais um excelente post!
ResponderExcluirEste blog é excelente! Seus posts abordam assuntos relevantes, são muito bem fundamentados e bem escritos, além de você ter uma paciência de Jó para responder a todos os comentários, até mesmo os mais bestas. Parabéns!
Sempre agradecido pela leitura, Flavio!
ExcluirParabéns! Excelente artigo, como sempre. Obrigado por utilizar seu tempo em benefício das demais pessoas.
ResponderExcluirEu que sou extremamente grato pela leitura, e contente de poder contribuir para algumas pessoas!
ExcluirFala João,aqui é o Iuri, beleza?
ResponderExcluirUma duvida: Omega 3 é lipossoluvél ou mesmo sendo uma gordura ela pode ser absorvida pelo corpo sem a ingestão de outras gorduras boas no momento em que vc toma ela?
E o que acontece quando você faz uma refeição sem gordura boa, tipo, arroz, frango e salada e toma um multivitaminico, ja que aconselham a tomar ele depois das refeições, ele é absorvido totalmente, ja que tem a vitamina A, D, E e K que são lipo e a refeição foi pobre de gordura...
Olá, Iuri.
ExcluirSe os suplementos de ômega-3 são ingeridos com pouca ou nenhuma gordura de outras alimentos, em uma determinada refeição, a absorção não é tão boa quando comparada a uma refeição que contêm uma quantidade mais significativa de gordura.
O mesmo vale para as vitaminas lipossolúveis (e outros compostos lipossolúveis): de maneira geral, é necessária uma quantidade pelo menos moderada de gordura na refeição para que elas seja bem absorvidas.
João facilita minha vida e diz mais o menos quanto seria essa quantidade moderada de gordura que vc fala, 10g seria o suficiente? 15 ou 20? Eu costumo usar nozes pra tomar essas vitaminas, 30g, o que daria em media umas 9g de gordura boa, seria o suficiente?
ResponderExcluirJa pesquisei e não achei nada concreto, mas teria problema tomar a vitamina D3, k2 e o omega 3 todos juntos?
E quando o corpo não absorve direito essas vitaminas Lipo, pra onde elas vão?
Forte abraço.
Acredito que não tenham estudos específicos que testaram a "melhor" quantidade de gordura a ser ingerida para maximizar a absorção de suplementos de ômega-3. No entanto, provavelmente a partir de 15 g, em uma refeição próxima ao uso do suplemento, já é uma quantidade considerável para potencializar a absorção.
ExcluirA princípio não tem problema algum utilizar vitamina D, vitamina K2 e ômega-3 juntos.
Quando o organismo não absorve bem esses ou quaisquer outros nutrientes, eles simplesmente são excretados pelas fezes.
João,
ResponderExcluirNada a ver com a postagem, somente por ser a mais recente.
Queria sua opinião, do ponto de vista bioquímico (ou talvez e preferencialmente com base em estudos que conheça).
Para corridas de rua curtas, de 5km, em que a intensidade poderia ser considerada alta. Eu vivo uma rotina de low carb, algo em torno de 50-60g diárias. Seria interessante que, no caso de uma competição, na refeição que anteceder a competição (algumas horas antes, provavelmente) eu ingerir uma quantidade alta de carboidratos?
Penso que, apesar do meu corpo estar possivelmente adaptado, eu poderia não estar alcançando o máximo de performance para um exercício de alta intensidade. Fico na dúvida porque pela minha ingestão baixa de carboidratos e exercício regular, o glicogênio muscular deve estar mantido em níveis baixos. Seria ele realmente o mais importante para o tipo de atividade que descrevi?
Já vi casos de competições mais longas em low, very-low carb ou jejum. Porém, não sei quanto a corridas curtas de alta intensidade, que duram 15, no máximo 20min dependendo do trajeto.
Compartilhe sua opinião e conhecimento, obrigado!
Lucas, como os estudos ainda não exploraram bem essa área de treinar em low-carb e consumir carboidratos apenas na véspera ou durante a competição, não temos como falar muito de evidências científicas sobre esse assunto.
ExcluirPorém, existem vários relatos de pessoas que fazem exatamente isso, principalmente em competições longas, como você mesmo mencionou, e apresentam melhorias no desempenho.
E pode até parecer que corridas mais curtas são mais intensas, mas isso depende das comparações que fazemos. Por exemplo, um atleta praticando uma maratona pode correr, ao longo da média do percurso, numa intensidade igual ou superior a um praticante "comum" fazendo 5 ou 10 km. Isso porque o nível de treinamento e exigência de uma competição profissional é muito superior.
Assim, considerando que esses atletas que relatam benefícios com treinamentos em dietas low-carb (e que aumentam a ingestão de carboidratos pré e durante a competição) normalmente competem em intensidade relativamente alta, é bem possível que no caso de corridas mais curtas as vantagens também se apliquem. Vale ressaltar, como sempre, que as respostas podem ser individualizadas: alguns podem se beneficiar, outros talvez não. Por isso, testar com você mesmo é a melhor opção.
É, toda a pesquisa que consegui fazer leva a essa mesma conclusão: a individualidade e necessidade de teste. Uma hora encontro a proporção ótima.
ResponderExcluirObrigado de novo pela atenção!
Fala João, blz?
ResponderExcluirTodo mundo falando de gordura e eu tenho uma duvida sobre o famoso oleo de coco extra virgem:
Pesquisei sobre ele e vi que ele funciona como termogenico também e acelera metabolismo quando vc consome em media 15g dele por dia, queria saber se quem tem hipertensão leve pode consumir normalmente ele e se ele por aumentar o metabolismo também aumenta s ritmo cardiaco um pouco mais que comparado a uma pessoa que ñ toma, sei que ele tem um efeito cardiovascular positivo fazendo aumentar o colesterol HDL, mas e sobre essa parte anterior que eu perguntei, vc acha q pode dar algum desses efeitos ou ñ foi comprovado nada ainda e por isso pode ser tomado sem medo?
Abraço, Iuri.
Olá, Iuri.
ExcluirVocê pode consumir o óleo de coco sem problemas, e sem se preocupar em afetar negativamente os batimentos cardíacos.
Obrigado João, abraço.
ResponderExcluirÓtimo, post, João, há quem defenda que óleos isolados por exemplo: óleo de coco, azeite de oliva... não trazem benefícios, ao contrario... não sei de conhece o Dr joel fuhrman ele defende essa ideia, eu fico meio assim de consumir apenas uma parte do alimento...
ResponderExcluirÓtimo, post, João, há quem defenda que óleos isolados por exemplo: óleo de coco, azeite de oliva... não trazem benefícios, ao contrario... não sei de conhece o Dr joel fuhrman ele defende essa ideia, eu fico meio assim de consumir apenas uma parte do alimento...
ResponderExcluirOlá, Renan.
ExcluirEu compartilho dessa ideia. Não faz muito sentido consumir em "excesso" azeite, óleo de coco, manteiga ou outras gorduras e óleos "isolados". São opção interessantes para auxiliar no preparo e para temperar alimentos, mas acredito que devam ser utilizados apenas em quantidades suficientes para suprir essas demandas.
Não que eles tragam problemas diretamente; ao contrário, podem até trazer (pequenos) benefícios. Mesmo assim, consumir os alimentos íntegros, dos quais essas gorduras e óleos são extraídos, será muito melhor do ponto de vista nutricional. No geral, quanto menos um alimento teve que ser modificado até chegar ao prato, provavelmente melhor ele será para a saúde.
Ok, obrigado, João!
ExcluirINCRIVEL esse artigo! Muito bom mesmo, obrigado!
ResponderExcluirEu gostaria de fazer uma pergunta sobre a gordura saturada e o câncer. Tipo, algumas pessoas que são contra a gordura saturada, defendem que ela possa não apenas causar câncer como também estimular metastase. Eu achei isso muito estranho, até porque o leite materno em alguns periodos pode conter até 4x mais gordura saturada doque poli-insaturada, não é possivel que a criança já nasca sendo envenenada com algo tão perigoso, eu pensei. Então fui pesquisar por estudos cientificos e também por entrevistas com ciêntistas e me deparei com 2 dados muito conflitantes: Estudos demonstrando que acidos graxos mono-insaturados bem como poli-insaturadas tem num geral, efeito neutro sobre o crescimento de tumores em ratos. Enquanto que acidos graxos saturados como o palmitico e o laurico foram capases de causar apoptose de células tumorais e diminuir o tamanho de alguns tipos de tumores em ratos. Por outro lado, encontrei outro estudo dizendo praticamente o oposto: que a gordura saturada é muito ruim porque causa metastase e portanto não deve ser consumida por quem tem câncer. A principio eu achei que eram informações totalmente diferentes, mas eu refleti melhor e talvez não. Eu não entendendo dessa área, mas eu imagino que, se o tumor está inteiro, e ele é atacado por algum tratamento, ao ser rompido ele possa liberar células cancerosas e causar metastase, o pesquisador pode ter interpretado erroneamente os resultados. Eu gostaria de saber qual é sua opinião sobre esse tema, se de fato há relação entre gordura saturada e câncer, e se você sabe me dizer se existem dados estatiscos mostrando se regiões onde há maior consumo de gordura saturada há menor ou maior incidencia de câncer que em regiões onde há menor consumo de gordura saturada.
Olá.
ExcluirA lógica que você construiu, de que "se o tumor está inteiro, e ele é atacado por algum tratamento, ao ser rompido ele possa liberar células cancerosas e causar metastase", pode até parecer que faz sentido. Mas não é isso que acontece no corpo humano, ou em outros animais.
A morte de células cancerígenas é “direcionada” e não leva a uma liberação de células adjacentes para a circulação. Se esse fosse o caso, a radioterapia e a quimioterapia levariam ao aumento no risco de metástase em virtualmente todos os tipos de câncer.
Considerando apenas os estudos de coorte, que são os mais relevantes entre os observacionais, as meta-análises que juntam os vários tipos de câncer em apenas uma categoria ("câncer") no geral não mostram associação consistente entre o consumo de gordura saturada e o risco da doença:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25045347
Se separarmos por tipos de câncer, vamos encontrar todo tipo de associação. A maioria dos estudos vai mostrar associações neutras ou negativas entre o consumo de gordura saturada e câncer. Mas temos que lembrar que não devemos inferir causalidade a partir de estudos observacionais, ainda mais em doenças complexas como o câncer. Principalmente porque as pessoas que consomem mais gorduras saturadas normalmente possuem uma alimentação de mais baixa qualidade e piores hábitos de saúde no geral, já que o conhecimento popular diz que esse nutriente e os alimentos que o contêm são prejudiciais.
Felizmente, não precisamos basear nossa avaliação apenas em estudos observacionais, porque existem evidências de estudos do tipo ensaio clínico para a relação entre gorduras da dieta e o risco de câncer.
O ensaio clínico mais prolongado a comparar gorduras poli-insaturadas e gorduras saturadas na dieta teve uma média de 8 anos de duração, e teve mais de 800 participantes. Nele, apesar dos indivíduos que consumiram mais gordura saturada também ingerirem menos vitamina E (potencial protetor) e fumarem mais (potencial agressor), o risco de câncer foi significativamente menor. Em outras palavras: os participantes que consumiram mais gorduras poli-insaturadas tiveram um risco 2x (100%) maior de desenvolverem câncer.
http://thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140673671910865/abstract
Com essas evidências, nem precisamos entrar na confusa literatura científica de estudos com animais e células. Além disso, é virtualmente impossível encontrar estudos mostrando que populações que tradicionalmente consumiram quantidades elevadas de gordura saturada, como as apresentadas no texto, possuíam altas taxas de câncer. Muito pelo contrário: os estudos que chegaram a avaliar essa relação mostram que essas populações são virtualmente livres de câncer, assim como de outras doenças crônicas.
Muito obrigado pelas explicações e pelos estudos!
ExcluirComo são as coisas, esse post reflete 100% a opinião do médico Lair Ribeiro. Sem tirar nem por. Inclusive os exemplos que ele dá populacionais sobre o consumo de gordura saturada são os mesmos que você cita no texto.
ResponderExcluirQue pena que ele peca em outros aspectos...Profissionais da nutrição e da cardiologia o repudiam cada vez mais.
Olá.
ExcluirO que eu tenho a complementar é: se cada um de nós fizer sua parte em buscar e estar do lado da verdade, sem querer tirar vantagem ou se colocar à frente, teremos um entendimento muito melhor entre nós mesmos.
Fala, João.
ResponderExcluirTudo bom?
Posso afirmar que a substituição do óleo de soja por óleo de coco ( diariamente ) é benéfico generalizando em todos os indivíduos? Desde criança até o idoso cardiopata?
Queria usar uma referência melhor, citando respectivamente os dois, mas só tenho comparativo do tipo de ácido graxos.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28526025
Olá.
ExcluirEm termos de referências científicas, não tem como afirmar que o óleo de coco é superior ao óleo de soja porque nunca foi conduzido nenhum ensaio clínico, avaliando mortalidade ou eventos cardiovasculares, explorando essa questão.
Até porque, nos estudos que já foram publicados, o grupo intervenção é sempre o das gorduras poli-insaturadas, não das gorduras saturadas, justamente porque os pesquisadores sempre partiram do pressuposto que as poli-insaturadas são as gorduras benéficas.
O máximo que você vai encontrar é:
1) Estudos de revisão sistemática e meta-análise avaliando os ensaios clínicos que compararam dietas com mais gordura saturada (normalmente sem especificar muito as fontes alimentares) contra dietas com mais gordura insaturada (geralmente poli-insaturada, normalmente com as fontes alimentares citadas, como o próprio óleo de soja em alguns estudos). Mesmo assim, a maioria desses estudos são problemáticos, porque as intervenções que incluem os óleos vegetais na maioria dos casos também incluem outras modificações alimentares. Logo, as revisões sistemáticas e meta-análises desses ensaios clínicos devem ser avaliadas com muito cuidado, estudo por estudo.
2) Estudos que testaram o efeito agudo da ingestão de óleo de coco sobre marcadores indiretos, como LDLc e HDLc. Como já mencionei várias vezes, e talvez você saiba também, estudos que avaliam apenas marcadores não querem dizer virtualmente nada sobre o verdadeiro efeito que os alimentos têm sobre a saúde. O ideal é trabalharmos com desfechos, como mortalidade e eventos cardiovasculares.
O estudo a seguir, por exemplo, poderia ter sido utilizado para avaliar desfechos (e não apenas marcadores), pois teve um período de 2 anos de acompanhamento, que já é bem razoável para um ensaio clínico. Só não seria em comparação ao óleo de soja, mas já seria um começo.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27543472
Ajudou demais! Muito obrigado!
ExcluirAbraço
Pq a insatursda abaixa e a saturada aumenta o colesterol? qual a explicação se todas são formadas por ácidos graxos, era pra ambas aumentarem
ResponderExcluirObrigado!!!
Olá.
ExcluirO número de carbonos e o número de insaturações (duplas-ligações) que as gorduras possuem afetam como elas são "percebidas" pelo corpo humano. Como as gorduras saturadas possuem um número diferente de duplas-ligações, também afetam de forma diferente como o organismo regula os níveis de colesterol.
A regulação da produção e distribuição de colesterol pelo corpo acontece principalmente no fígado. Quando as gorduras insaturadas chegam até as células hepáticas, elas se ligam a moléculas livre de colesterol e sinalizam para que haja uma maior captação de colesterol do sangue para o fígado. Por quê? Justamente porque a concentração de colesterol livre dentro das células do fígado cai; para voltar ao equilíbrio, o fígado capta mais colesterol da circulação. O resultado disso é uma diminuição, em maior ou menor grau, dependendo da alimentação e de alguns outros fatores, do colesterol sanguíneo.
Esse mecanismo não acontece com as gorduras saturadas. Ao contrário, como a produção de colesterol nas células hepáticas é um processo contínuo, a concentração de colesterol livre dentro das células vai aos poucos aumentando. Com isso, a produção de receptores que captam colesterol do sangue diminui. O resultado final é um aumento relativo da concentração sanguínea de colesterol, justamente porque a captação pelo fígado é reduzida.
No longo prazo, na maioria das pessoas, o corpo sempre volta ao equilíbrio. Ou seja, desde que a alimentação seja o único fator realmente influenciando os níveis sanguíneos de colesterol (uma dieta muito rica em gorduras saturadas ou insaturadas, por exemplo), não haverá flutuações muito grandes.
Por outro lado, se houver outros fatores afetando esse equilíbrio, o colesterol sanguíneo a princípio vai se alterar. E esse normalmente é o caso: hoje, na maioria dos países minimamente desenvolvidos, geralmente mais da metade da população apresenta sobrepeso. O excesso de peso leva a alterações metabólicas no organismo, e uma das manifestações das alterações metabólicas é justamente a desregulação do metabolismo de colesterol. Mesmo assim, o aumento no colesterol sanguíneo é uma consequência; não é o problema em si.
Resumindo: se houver modificações no colesterol sanguíneo só pela alimentação, isso não é um problema. Se a desregulação acontecer como consequência de alterações metabólicas (resistência à insulina, síndrome metabólica, diabetes), aí sim temos um problema. Não devido ao colesterol aumentado em si, porque ele não é um fator causal de problemas de saúde. Mas sim pelo que o colesterol aumentado representa: alterações metabólicas no organismo; essas sim potencialmente deletérias para a saúde.
João, parabéns pelo artigo..
ResponderExcluirCom relação ao comentário anterior.
Esses receptores de colesterol que diminuem na corrente sanguínea, seria o HDL?
Ademais, estava lendo o seguinte texto:
The Truth About Saturated Fat
Por Mary Enig, PhD e Sally Fallon
A autora diz que as moléculas de ômega-3 são muito instáveis e vítimas de oxidação nos processos industriais, como desodorização, na produção de óleos vegetais. Com isso, na produção de cápsulas de óleo de peixe, há também algum prejuízo nutricional e oxidação dessas moléculas?
Por fim, li sobre a biossíntese de colesterol, e o texto afirma que há produção endógena em todas as células do ser humano, exceto nos eritrócitos maduros. Neste caso, se a informação for verdadeira, há também essa reação de esterificação entre colesterol e ácido graxo insaturado?
VALEUUU !!
Olá, Leonardo.
ExcluirNão, os receptores de LDL são proteínas que se encontram na membrana das células, principalmente no fígado. Eles normalmente são chamados de LDLR. A principal função deles é captar partículas de LDL para reaproveitar o colesterol e outros compostos contidos nelas.
Sim, as moléculas de ômega-3 são instáveis, e por isso são suscetíveis a danos oxidativos causados pelo calor. Mas isso acontece principalmente em processos que envolvem temperaturas muito elevadas ou um tempo de exposição muito prolongado ao calor, como é o caso da extração dos óleos vegetais refinados. Até onde sei, isso não é um problema na extração do óleo de peixe. Além disso, os estudos com óleo de peixe são relativamente consistentes em mostrar vários potenciais benefícios; isso indica que, mesmo quando não temos certeza sobre como ocorre a extração ou o armazenamento dos produtos, as moléculas de ômega-3 tendem a permanecer relativamente bem preservadas, caso contrário efeitos positivos não seriam observados nos estudos.
Sim, a produção de colesterol pode acontecer nas mais diversas células, mas isso não é tão importante quando o assunto é a regulação geral do metabolismo de colesterol. Esse processo que descrevi sobre a esterificação entre colesterol e ácidos graxos, apesar de poder acontecer em qualquer célula onde há produção ou captação de colesterol, só é realmente importante no fígado. Porque são as células hepáticas as grandes responsáveis pela regulação de todo o metabolismo de colesterol. No fígado, esse processo é um mecanismo de regulação; em outros tecidos é simplesmente um processo natural que não mexe muito na regulação sistêmica do metabolismo de colesterol.
João, o que vc me diria dessa revisão que sugere a substituição de ácidos graxos saturados por poliinsaturados para prevenção de doença cardiovascular?
ResponderExcluirhttps://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5475232/
Porque há tanta discrepância de informação ?
Olá.
ExcluirO problema dessa e das demais revisão sobre o tema é que os estudos (ensaios clínicos) incluídos na análise geralmente apresentam uma série de problemas.
Literalmente todos os estudos do tipo ensaio clínico que já mostraram benefício da substituição de gorduras saturadas por gorduras insaturadas foram intervenções que, além da troca das gorduras, incluíram outras modificações alimentares. Nesses casos, como saber se o efeito positivo foi da substituição de gorduras ou se foi devido a outros fatores dietéticos que foram modificados? Não tem como...
Por outro lado, considerando os ensaios clínicos que substituíram *apenas* gorduras saturadas por gorduras insaturadas, a tendência é de não haver efeito sobre o risco cardiovascular ou de mortalidade total. Quando existe algum efeito, a tendência é de haver um *aumento* no risco quando as gorduras insaturadas entram no lugar das saturadas.
Repetido: o problema é que praticamente todos os estudos de revisão são falhos, propositalmente ou não, nesse aspecto de quais ensaios clínicos deveriam ser incluídos ou não nas análises. Abaixo, seguem os links para duas revisões que provavelmente são as melhores até hoje, apesar de não serem perfeitas:
http://bmjopen.bmj.com/content/4/4/e004487
http://openheart.bmj.com/content/3/2/e000409
João, se os óleos poli-insaturados são opções piores, em comparação com saturados, porque as recomendações dietéticas são justamente essas?
ResponderExcluirEssa semana assisti uma aula da Jolivi com um médico falando que essa confusão se deu porque um pesquisador Ancel Keys fez um experimento com coelhos que são herbívoros, e nestes ácidos graxos saturados causou aterosclerose. Sabe dessa história?
Além disso a fonte das gorduras saturadas em importancia no risco cardíaco? Tipo a saturada do óleo de coco é igual a saturada da banha de porco?
Muito obrigado por nos fornecer essa ferramenta de aprendizado!
Olá.
ExcluirVou citar alguns motivos:
1) Em vários animais, especialmente nos herbívoros, uma maior ingestão de colesterol leva ao desenvolvimento de aterosclerose. Um dos primeiros pesquisadores a observar isso foi Ancel Keys.
2) Com o passar do tempo, estudos observacionais em seres humanos mostraram que níveis elevados de colesterol sanguíneo estavam associados a um maior risco cardiovascular. Importante: colesterol sanguíneo, não o dietético.
3) Com o tempo, o colesterol da dieta também foi "culpado". Afinal, o que aumenta o colesterol no sangue senão o colesterol da alimentação? Hoje sabe-se que são raros os casos em que o colesterol da dieta impacta de maneira significativa o colesterol sanguíneo; mesmos nesses casos, isso não é muito relevante.
4) Além disso, foi verificado em estudos controlados que, na média, as gorduras saturadas levam ao aumento no colesterol sanguíneo (algumas mais do que as outras). Mas, mesmo a gordura saturada levando ao aumento no colesterol sanguíneo, a grande pergunta ainda seria: o colesterol sanguíneo é uma *causa* das doenças cardiovasculares, ou seria apenas um marcador sugerindo que algo não está certo? (Com as evidências que temos hoje, tudo indica, se soubermos olhar com o mínimo possível de viés, que é a segunda opção).
5) Assim, colesterol e gordura saturada da dieta foram vistos como vilões. Isso se fortaleceu porque alguns estudos observacionais começaram a mostrar que um maior consumo de gordura saturada, assim como o colesterol sanguíneo, estava associado a um maior risco cardiovascular.
6) Mas todas as evidências mais importantes dessa época (mais ou menos de 1950 até anos 80-90) surgiram principalmente de estudos observacionais. Esses estudos são bons para levantar hipóteses, mas em 99,9% dos casos não podem estabelecer relação de causalidade entre as variáveis.
7) Entre as décadas de 60 e 80, ensaios clínicos foram publicados, agora comparando diretamente as intervenções (por exemplo, um grupo consumindo mais gordura saturada e outro consumindo menos). A maioria desses estudos aponta para a mesma direção: diminuir o consumo de gordura saturada não reduz o risco cardiovascular, e talvez possa aumentar.
Os ensaios clínicos não são perfeitos, mas é o que temos de melhor. Além disso, quando avaliamos conjuntamente os estudos observacionais realizados até hoje, os resultados mostram que o consumo de gordura saturada *não* está associado a um maior risco cardiovascular. Como explico no texto abaixo, quando nem mesmo os estudos observacionais conseguem mostrar uma associação consistente entre duas variáveis, a chance de haver uma relação de causalidade é virtualmente zero (para não dizer *absolutamente* zero):
http://cienciadanutricao.blogspot.com.br/2016/04/gordura-saturada-e-derrame-cerebral.html
Em relação à sua outra dúvida: diferentes fontes de gordura saturada possuem efeitos distintos no colesterol sanguíneo, mas isso não faz diferença. Como já mencionei antes, o problema é *como* o colesterol sanguíneo aumenta, e não o simples fato de estar aumentado.
Geralmente, o colesterol aumenta porque a pessoa apresenta ganho de peso, acúmulo de gordura e alterações metabólicas associados, como resistência à insulina e síndrome metabólica. O aumento do colesterol é uma consequência da desregulação metabólica do organismo. O colesterol em si não é o problema, mas apenas um indicativo de que existe um problema.
Por isso, a grande questão é frear o aumento exponencial no sobrepeso, na resistência à insulina e na síndrome metabólica que marcaram as últimas décadas. Esses são os problemas a serem combatidos, não o colesterol sanguíneo. É a desregulação metabólica como um todo que eleva o risco cardiovascular, não os marcadores (glicemia, triglicerídeos, colesterol etc). Quando o problema é resolvido na raiz, os marcadores também são normalizados.
Assisti uma aula bem completo do Henry Okigami, e ele estava falando justamente sobre isso.
ResponderExcluirO metabolismo cardíaco usa ácidos graxos inclusive de fontes de saturadas. Mas o excesso de saturada estimula o NFKappa Beta via toll like 4 e produz citocinas pró-inflamatórias que também relaciona-se com DCV.
A moderação é a palavra chave!
ResponderExcluirConclusão: "Consideradas em conjunto, as evidências fortes e consistentes dos estudos genéticos, estudos prospectivos de coorte epidemiológica, estudos de randomização mendeliana e ensaios de intervenção randomizados discutidos aqui, apoiados por evidências mecanísticas a serem apresentadas na segunda Declaração de Consenso sobre a causalidade do LDL, estabelecem que o LDL não é meramente um biomarcador de risco aumentado, mas um fator causal na fisiopatologia da ASCVD "
Referência: https://academic.oup.com/eurheartj/article/38/32/2459/3745109
Olá.
ExcluirOs estudos mandelianos, ao contrário do que normalmente se fala, não são bons o suficiente para servirem como evidências da relação de causa e efeito entre duas variáveis. O simples fato de se acreditar que eles são úteis para isso pode, a princípio, mostrar uma visão enviesada sobre qualquer assunto.
Em relação aos ensaios clínicos randomizados, que são os melhores (únicos) estudos que temos para realmente determinarmos a relação de causalidade entre duas variáveis, a realidade não é bem essa que está exposta no artigo.
Não li o artigo, mas é bem provável que eles se baseiem em estudos com medicamentos que reduzem o LDLc para chegarem à conclusão de que esse não é apenas um marcador, mas sim um fator causal nas doenças cardiovasculares. Se esse for o caso, sinto dizer que isso é um engano. E por um simples motivo: a única droga que reduz o LDLc e, ao mesmo tempo, consistentemente reduz o risco cardiovascular são as estatinas. Todas as outras que foram testadas até hoje, como fibratos, sequestradores de ácidos biliares, niacina e inibidores da CETP, falharam em reduzir o risco cardiovascular em quase todos os estudos em que foram testadas -- sendo que algumas delas, além de diminuírem o LDLc, também levam ao aumento no HDLc.
Assim, considerando que existem vários estudos em que a diminuição nos níveis de LDLc não leva à redução no risco cardiovascular, como podemos afirmar, com toda essa aparente certeza, que o LDLc é um fator causal nas doenças cardiovasculares?
O problema é que todo mundo foi levado a crer, ao longo de tantos anos, que a história entre colesterol e doenças cardiovasculares é simples. Nesse tipo de cenário, nossa tendência é olhar apenas para as evidências que “queremos” olhar: o bom e velho viés de confirmação, pois é sempre mais fácil acreditar no que já acreditamos para confirmar nossas crenças. Por exemplo, é fácil olhar para os estudos com estatinas e afirmar que o LDLc é um fator causal; mas é duro olhar para os outros medicamento e admitir que as coisas não são bem assim.
A verdade que aprendi com o Lair Ribeiro ( que tem mestrado em cardiologia ) é que a única vantagem de medir colesterol é que o nível de triglicérides dividido pelo HDL tem que estar abaixo de 2. Caso estiver acima, isso reflete que as partículas de colesterol são aterogênicas e disfuncionais.
ExcluirAlém disso um HDL alto, que é visto como benéfico, pode ser prejudicial caso esteja alto, devido a sua disfunção.
No documentário ele disse que foi monitor de epidemiologia, e que entende profundamente de medicina baseada em evidência e que essa história de colesterol entupindo a artéria é uma farsa pra vender estatinas além disso ele falou que as evidências cientificas que mostram beneficio das estatistas é porque ela tem uma ação pleotrópica antiinflamatória e que essa ajuda no infarto mas que curcuma ou açãfrão tem uma ação melhor. Não sei a diferença de curcuma e curcumina e açafrão.
Curei minha tireotide de hashimoto apenas ouvindo esse mestre da minha vida. Há mais de 10 anos indo da endocrinologista e aumentando minha dose de PURAN.
Agora uso apenas 50mcg .
Coloco minha mão no fogo por este homem.
Renata.
Os marcadores sanguíneos, como a razão TG/HDL que você menciona, podem ser bem úteis. Não porque são a causa do problema, mas justamente porque, quando alterados, podem claramente mostrar que algo de errado não está certo.
ExcluirBoa noite.
ResponderExcluirVocê conseguiria esse artigo completo disponível?
Não estou conseguindo pelo Sci-Hub
http://www.onlinejacc.org/content/71/6/705?sso=1&sso_redirect_count=1&access_token=
Olá.
ExcluirBasta me mandar um e-mail, daí te envio por lá.
Boa tarde.
ResponderExcluirCriança de 3 anos pode comer 2 ovos mexidos com manjericão e açafrão?
Olá.
ExcluirA não ser que a criança tenha alguma reação específica ao ovo, ao manjericão ou ao açafrão, a princípio não tem problema.
Me refiro pelo risco de infecção.
ExcluirIgual ocorre com o mel .
Se o ovo estiver bem conservado e for bem cozido, o risco é muito baixo. Talvez seja maior do que para um adulto, mas ainda assim é bem pequeno.
ExcluirSem contar que ainda existe outro ponto a ser considerado: a exposição a pequenas "doses" de agentes que estimulam o sistema imunológico, incluindo as bactérias naturalmente presente nos alimentos, é uma parte importante na maturação da imunidade da criança.
A não ser que você encontre algum motivo muito convincente para que crianças pequenas não possam comer ovos devido a um sério risco de infecção por contaminação, não vejo problema.
Eu estava lendo esses dias algo bem paradoxal.
ResponderExcluirLi que as saturadas de cadeia longa possuem uma atividade em aumentar a forma benéfica de LDLc ( partículas maiores e menos aterogênicas ) de modo que mesmo se houver mudança nos números do lipidograma, essa mudança é benéfica bioquimicamente.
Já leu algo a respeito? Procurei as referência e não achei nenhuma meta-análise citada, ou clinical trials. Acaba não tendo relevância né?
Olá.
ExcluirBom você ter terminado seu comentário do jeito que terminou. Realmente é isso: na prática, nada disso tem relevância. Quando as alterações são causadas pela alimentação, não precisamos nos preocupar se o colesterol está aumentando ou diminuindo, se o número de partículas está se elevando ou reduzindo, se o tamanho das partículas está maior ou menor.
Como sempre digo: o problema é quando o colesterol se altera por causa do ganho de peso, da resistência à insulina ou da síndrome metabólica. Ainda assim, o aumento no colesterol não é a causa de problemas, mas sim uma forma do corpo sinalizar que algo não está certo.
Se gordura saturada não faz tão mal assim porque todos os artigos científicos recomendam reduzir o consumo de saturada e aumentar o de insaturada como este?
ResponderExcluirhttps://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3650498/
Olá.
ExcluirBasicamente pelo mesmo motivo que se afirma que o colesterol sanguíneo é uma fator causal nas doenças cardiovasculares: um entendimento errado do que as evidências mostram, assim como a influência de vieses, ao longo de tantos anos, ao se defender essas ideias. No fim, é mais ou menos como o ditado de que uma mentira contada mil vezes acaba se tornando verdade.
Sugiro a leitura do texto abaixo, além da sessão de comentários do texto. Lá eu explico de maneira bem simples por que as gorduras saturadas não são um problema:
http://cienciadanutricao.blogspot.com.br/2016/04/gordura-saturada-e-derrame-cerebral.html
Além disso, esse artigo que você linkou não é bom um exemplo do que você talvez esteja tentando argumentar. Justamente porque ele questiona o fato de se considerar que as gorduras saturadas fazem mal e ponto. No resumo do artigo, por exemplo, o trecho "The adverse health effects that have been associated with saturated fats in the past are most likely due to factors other than SFAs" diz justamente que os efeitos adversos atribuídos às gorduras saturadas provavelmente seriam causados por outros fatores.
Bom dia
ResponderExcluirQuais os riscos de se ingerir muita gordura saturada?
Olá.
ExcluirO que você está considerando como muito?
Olá! Ótimo texto!
ResponderExcluirJoão, fugindo um pouco do assunto, poderia falar brevemente sobre leite?
Acredito que a maioria dos artigos científicos sejam favoráveis ao seu consumo, mas vejo uma corrente "baseada em evidências" argumentando que os malefícios não compensam os benefícios.
Se também tiver recomendação de algum texto sobre o assunto, tenho interesse.
Abs, Jorge.
Olá, Jorge.
ExcluirNunca vi apresentarem evidências convincentes de que o leite é um problema real para a saúde humana, nem em textos e nem em artigos científicos. Toda vez que vejo alguma coisa que questiona os laticínios, o que acontece é que as pessoas distorcem as evidências para se encaixarem em ideias previamente estabelecidas de que o leite é um problema.
Porém, vale ressaltar que na prática existem sim pessoas que têm reações negativas com o consumo de laticínios. Pode ser intolerância, alergia ou outros tipos de reação. Se existe alguma suspeita, basta testar aos poucos os laticínios habitualmente consumidos. Se a pessoa não sabe ou a princípio não existe nada muito claro que indique alguma reação adversa, mas ainda assim ela gostaria de saber, ela também pode ir testando aos poucos.
Considerando a totalidade das evidências, para mim essa questão é simples. Se a pessoa sabe que não possui reação adversa, o leite pode ser consumido tranquilamente e é uma boa fonte de vários nutrientes. Se a pessoa não sabe ou gostaria de averiguar, basta ir testando aos poucos, de preferência com um laticínio por vez, para descobrir se o consumo leva à manifestação de algum sinal ou sintoma.