Em 2014, escrevi um dos textos mais lidos aqui no blog:
“Sódio faz mal à saúde?”
Nele, eu apresentei dados que mostram de forma bastante direta que, diferentemente do que ouvimos falar de profissionais e da mídia, o “excesso” de sódio não faz mal à saúde. Além disso, afirmei que, de acordo com a literatura científica, consumir dietas hipossódicas não leva à redução no risco de eventos cardiovasculares, de morte cardiovascular ou de mortalidade total.
Porém, mesmo após a leitura do post, muitas pessoas ainda
perguntam:
“Mas e a quantidade de 12 g/dia de sal que o brasileiro, em
média, consome? Esse tanto de sal não vai fazer mal?”.
É um questionamento válido. E, considerando sua frequência,
me fez refletir sobre o fato de que as informações contidas no post anterior talvez não tenham sido apresentadas da forma mais clara possível.
Assim, o objetivo desse texto é reorganizar e atualizar as
informações discutidas no post anterior, para que a mensagem a
respeito da verdade sobre o sal seja mais claramente transmitida e, portanto, mais bem assimilada.
E como somos seres que dependem muito da visão, vamos usar imagens para melhor ilustrar o assunto.
E como somos seres que dependem muito da visão, vamos usar imagens para melhor ilustrar o assunto.
Recomendações de sal
e sódio
Relembrando, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o consumo de 5 g/dia de sal. E o Ministério da Saúde diz exatamente a mesma coisa*.
*A recomendação de sal de 5 g/dia era do Guia Alimentar Para a População Brasileira de 2008. A nova versão do Guia, de 2014, não determina mais uma quantidade específica para o
consumo de sal. Porém, o valor de 5 g/dia ainda é considerado como a
recomendação oficial e pode ser observado em materiais e documentos do
Ministério da Saúde.
Vale lembrar também que o sódio equivale a 40% do peso do sal. Ou
seja, 5 g (5000 mg) de sal é o mesmo que 2000 mg de sódio. Saber dessa
distinção, e prestar atenção nesse detalhe, é importante para que não haja
confusão com as informações a seguir.
Associação entre sal,
doenças cardiovasculares e mortalidade
Como sempre gosto de frisar, a associação entre duas
variáveis não significa que existe causa e efeito entre elas. Os estudos observacionais procuram apenas por associações, que depois podem ter sua
relação de causalidade testada diretamente por ensaios clínicos.
Devido à sua virtual incapacidade em determinar causa e efeito, vamos falar primeiro dos estudos observacionais.
Abaixo, foram escolhidos apenas estudos que utilizaram o método de excreção urinária de sódio de 24 horas para determinar a ingestão de sal pelos participantes. Essa metodologia é considerada como padrão-ouro para essa finalidade, e é mais precisa do que estimar a quantidade ingerida de sal a partir de perguntas — por recordatório alimentar, diário alimentar ou questionário de frequência alimentar — sobre os alimentos consumidos pelos participantes dos estudos. No caso, o valor obtido pela excreção urinária de sódio de 24 horas é praticamente o mesmo (~90%) em relação à quantidade ingerida desse nutriente durante o mesmo período.
Abaixo, foram escolhidos apenas estudos que utilizaram o método de excreção urinária de sódio de 24 horas para determinar a ingestão de sal pelos participantes. Essa metodologia é considerada como padrão-ouro para essa finalidade, e é mais precisa do que estimar a quantidade ingerida de sal a partir de perguntas — por recordatório alimentar, diário alimentar ou questionário de frequência alimentar — sobre os alimentos consumidos pelos participantes dos estudos. No caso, o valor obtido pela excreção urinária de sódio de 24 horas é praticamente o mesmo (~90%) em relação à quantidade ingerida desse nutriente durante o mesmo período.
Estudo 1. Há mais
de 20 anos, resultados "intrigantes" já haviam sido observados. Após
cerca de 4 anos de acompanhamento, com aproximadamente 3000 indivíduos, esse estudo de 1995 verificou que quanto menor era o consumo de sódio, maior
era o risco de infarto:
Estudo 2. Menor número de pessoas, maior tempo de acompanhamento: 638 indivíduos monitorados por 10 anos. Mesmos resultados: relação inversamente proporcional entre ingestão de sódio e mortalidade. Em outras palavras, quanto menor o consumo de sal, maior a mortalidade:
Estudo 3. Em uma população de cerca de 30 mil pessoas, com uma média de acompanhamento de 4 anos e meio, foi verificado que o menor risco de morte ou eventos cardiovasculares estava associado à ingestão de 10 a 15 g/dia de sal:
Estudo 4. Durante um período mediano de 8 anos, mais de 3500 indivíduos foram acompanhados. Mais uma vez foi observado que o menor consumo de sal estava diretamente relacionado ao maior risco de eventos e mortalidade por doenças cardiovasculares na população:
Estudo 5. Esse é provavelmente o maior estudo original já publicado a avaliar a relação entre sódio e saúde cardiovascular: mais de 100 mil pessoas, de 17 países diferentes, foram acompanhadas por um tempo médio de aproximadamente 4 anos. Ao final desse período, foi observado que as pessoas com ingestão de sódio entre 3000 e 6000 mg/dia (7,5 e 15 g/dia de sal) apresentavam o menor risco de mortalidade ou eventos cardiovasculares. Valores acima, e especialmente abaixo, desses foram associados com maior risco desses desfechos.
Apesar de terem sido exemplificados apenas estudos que mediram a ingestão de sal pelo método da excreção de sódio de 24 horas, os trabalhos que estimaram o consumo de sal por meio de dados das dietas dos participantes chegam à mesma conclusão: existe uma relação inversa entre consumo de sal e risco cardiovascular. Alguns exemplos aqui, aqui e aqui.
Estudo bônus. Em 2013, foi verificado que os níveis sanguíneos de cloreto também
parecem ter relação com a saúde. No caso, foi observado que, em 13 mil
indivíduos hipertensos, acompanhados por 35 anos, quanto menor era a concentração sérica de cloreto, maior era o risco de
mortalidade total e mortalidade cardiovascular. Para quem não se lembra, o
sal que consumimos é formado por sódio (40%) e cloreto (60%).
Esses são alguns exemplos de como a associação entre o consumo
de sal e o risco cardiovascular é bem diferente daquilo que nos contam.
Considerando a última meta-análise que avaliou todos os estudos de coorte,
incluindo os citados acima, é possível afirmar que, na verdade, a ingestão de 6 a 12 g/dia de sal, quando comparada
às recomendações de ≤ 5 g/dia (OMS e Ministério da Saúde), está associada a um menor risco de mortalidade e doenças cardiovasculares.
Ainda, vale lembrar que aproximadamente 90% da população mundial consome entre 6 e 12 g/dia de sal — e a maior parte dos 10% restantes provavelmente são pessoas (erroneamente?!) orientadas a consumir dietas hipossódicas. Por esse motivo, dá para imaginar que, no que diz respeito ao sal, a população em geral está segura, não é mesmo?
Podíamos parar por aqui, já que esses resultados são bem consistentes e já foram replicados em diversos estudos — em pessoas com ou sem hipertensão, com ou sem diabetes —, como os apresentados acima. Porém, vamos adiante para saber o que os ensaios clínicos têm a dizer sobre a relação de causalidade entre redução no consumo de sal e desfechos de saúde.
Ainda, vale lembrar que aproximadamente 90% da população mundial consome entre 6 e 12 g/dia de sal — e a maior parte dos 10% restantes provavelmente são pessoas (erroneamente?!) orientadas a consumir dietas hipossódicas. Por esse motivo, dá para imaginar que, no que diz respeito ao sal, a população em geral está segura, não é mesmo?
Podíamos parar por aqui, já que esses resultados são bem consistentes e já foram replicados em diversos estudos — em pessoas com ou sem hipertensão, com ou sem diabetes —, como os apresentados acima. Porém, vamos adiante para saber o que os ensaios clínicos têm a dizer sobre a relação de causalidade entre redução no consumo de sal e desfechos de saúde.
Dietas hipossódicas
trazem benefícios?
Para verificar isso, precisamos de apenas uma imagem. Esses
resultados são da última meta-análise que reuniu todos os estudos que
avaliaram o efeito de dietas com redução de sal sobre os desfechos eventos
cardiovasculares, mortalidade cardiovascular e mortalidade total:
Os valores que devem ser observados são aqueles que se encontram na última coluna (Effect size), como, por exemplo, o primeiro deles: “0.96 [0.83, 1.10]”. Toda vez que o valor “1.00” estiver incluído no intervalo dos números (marcados em vermelho) que se encontram dentro dos colchetes, isso significa que não houve nem redução e nem aumento no risco do desfecho avaliado.
E, como podemos perceber, todos os intervalos contemplam o valor 1.00, o que quer dizer que a ingestão de dietas com reduzido teor de sal (hipossódicas) não reduz o risco dos desfechos
mencionados acima, nem mesmo em indivíduos com hipertensão.
Nesse contexto, um estudo publicado em 2015 ajuda a explicar o porquê disso. Foi demonstrado que, apesar de a suplementação de sódio levar ao aumento da pressão arterial, a maior ingestão de sódio parece não exercer efeito algum sobre a função endotelial — que é basicamente a capacidade, das células endoteliais dos vasos sanguíneos, de relaxar ou contrair nos momentos certos. E isso é muito importante, uma vez que a função endotelial é um dos principais fatores envolvidos no desenvolvimento de complicações cardiovasculares.
Nesse contexto, um estudo publicado em 2015 ajuda a explicar o porquê disso. Foi demonstrado que, apesar de a suplementação de sódio levar ao aumento da pressão arterial, a maior ingestão de sódio parece não exercer efeito algum sobre a função endotelial — que é basicamente a capacidade, das células endoteliais dos vasos sanguíneos, de relaxar ou contrair nos momentos certos. E isso é muito importante, uma vez que a função endotelial é um dos principais fatores envolvidos no desenvolvimento de complicações cardiovasculares.
Existem muitas coisas com as quais podemos nos preocupar em nossa alimentação, mas o sal não é uma delas. Principalmente se você se alimenta com comida de verdade.
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