A disputa entre low-carb (não focar nas calorias) e low-fat
(calorias em primeiro lugar) continua. E, atendendo a alguns pedidos, resolvi analisar
o último estudo interessante que saiu sobre esse assunto. Para uma melhor
compreensão de todo o contexto que envolve o tema, sugiro a leitura desse
texto anterior, no qual comentei em
detalhes sobre um estudo de 2015 (conduzido pelo mesmo pesquisador principal)
que supostamente demonstrou que as dietas low-carb, diferentemente do que seus
defensores proclamam, não apenas não seriam superiores a dietas low-fat como
seriam, na realidade, menos eficazes para o emagrecimento.
Para o desenvolvimento do presente texto, foi inevitável o
uso de alguns termos técnicos e a discussão em detalhes sobre alguns pontos
específicos do estudo. De qualquer maneira, tentei simplificar a linguagem e
explicar da maneira mais clara possível todas as questões que podem ser um
pouco mais complicadas de serem compreendidas.
Caso queira passar apenas pela contextualização inicial e pelo resumo do estudo (assim como suas implicações práticas), comece a
leitura e vá até o final da seção “O recomeço da
disputa low-carb x low-fat”; depois,
pule direto para “Um
resumo, por favor”.
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Kevin Hall é o nome do cara que tem incomodado a comunidade
low-carb nos últimos tempos. Dessa vez, ele formou um time de peso com outros
pesquisadores que estudam a obesidade, como Rudolph Leibel e Eric Ravussin,
para tentar demonstrar que a principal explicação por trás da suposta
superioridade das dietas low-carb, baseada na hipótese da insulina, é falsa.
Entretanto, antes de entrarmos em mais detalhes sobre o
estudo e suas implicações, queria colocar uma visão pessoal mais geral sobre o
assunto.
A verdade é que essa briga que envolve low-carb, low-fat,
insulina e calorias já ficou chata — e tem se prolongado por mais tempo do que
deveria. Grande parte da culpa, querendo ou não, é dos próprios defensores das
dietas low-carb, já que muitos deles, ao terem suas convicções contestadas, nem
sequer se dão ao trabalho de ouvir com cuidado o que os críticos têm a dizer.
É claro que, pensando no lado low-carb da história, é
compreensível não ficar muito feliz quando “atacam” suas hipóteses e suas
convicções de maneira injusta, ou seja, quando usam argumentos que não são
totalmente válidos quando consideramos, juntos, os pontos de vista clínico e
científico. E isso de fato vem acontecendo, pelo menos em alguns casos
recentes, com a hipótese
da insulina e com as dietas low-carb de maneira geral. Assim, pensando
por esse lado, é aceitável que os defensores das dietas low-carb se sintam no
direito de defender suas ideias.
Porém, esse estudo mais recente que discutiremos a seguir,
assim como algumas outras evidências (novas e mais antigas), traz sim
questionamentos válidos a alguns dos pressupostos considerados como “verdades
absolutas” pelos defensores das dietas low-carb. Mesmo assim, muitas pessoas do
lado low-carb da discussão não aceitam ao menos refletir sobre julgamentos
contrários às suas hipóteses. Como costumo mencionar, isso muitas vezes mostra
como o viés
de confirmação realmente é forte, e como todos nós estamos suscetíveis a
ele.
Mesmo prestando atenção às críticas, a tendência é não
haver concordância. Por isso, é comum que o lado low-carb sinta-se na obrigação
de retaliar, e assim temos uma batalha que se estende por um horizonte quase
sem fim.
O recomeço da disputa low-carb x low-fat
A história retornou com um pôster.
No mundo da ciência, é comum que os pesquisadores
apresentem seus trabalhos mais recentes em congressos e eventos semelhantes,
normalmente na forma de pôster, antes mesmo que eles sejam publicados como
artigos científicos.
E foi isso que o Kevin Hall fez:
Apesar de não ter recebido a mesma atenção que o estudo do
ano passado, esse pôster teve uma repercussão bem considerável. Algumas pessoas
disseram logo de cara “Eu
sabia que essa história de que a insulina causa obesidade não era verdade, e
que as dietas low-carb não são a solução para o problema”, enquanto outras
rapidamente replicaram “Esse
estudo não prova nada, por causa disso e daquilo”.
Apesar disso, até esse momento, ninguém podia falar muita
coisa — exceto, talvez, o próprio autor do pôster. Afinal, o estudo nem tinha
sido publicado ainda. Praticamente ninguém tinha tido acesso aos resultados do
trabalho, a não ser os pesquisadores envolvidos e as pessoas que participaram
do processo de revisão para a publicação do artigo no American Jounal of Clinical
Nutrition.
Mas daí foi publicado...
O novo estudo
Curiosamente, pouca coisa foi falada a respeito do artigo
pronto, depois de publicado. Talvez porque não tinha muita informação nova além
daquelas que já tinham sido discutidas na apresentação do pôster pelo Kevin
Hall, ou talvez porque o estudo passou um pouco despercebido mesmo.
Porém, é possível que o estudo não tenha recebido muita
atenção porque, apesar de ter usado excelentes métodos e ter sido muito bem
controlado, seu desenho experimental teve limitações importantes, como
explicarei mais abaixo. Isso naturalmente faz com que seja muito difícil tirar
conclusões claras sobre os seus resultados. Assim, percebendo que não haveria
um grande apelo por causa dessas limitações, talvez o ostracismo tenha se dado
por esse motivo.
“Ok, chega de enrolar e fale logo sobre o estudo”. Claro!
O novo estudo publicado por Kevin Hall e colaboradores se
propôs a explorar, de maneira ainda preliminar (o que é importante ser
ressaltado), a hipótese de que o hormônio insulina, por meio de seus efeitos
metabólicos, possui um papel causal na epidemia de obesidade que temos no mundo. Segundo essa
hipótese, o consumo de uma dieta baseada em alimentos ricos em carboidratos,
principalmente os refinados — que normalmente são mais rapidamente digeridos, possuem
maior índice
glicêmico e estimulam mais a liberação de
insulina —, seria o principal motivo das pessoas acumularem gordura corporal.
A maior secreção de insulina seria, nesse contexto,
responsável por duas coisas: inibir a liberação de gordura e, ao mesmo tempo,
estimular a captação de ácidos graxos e carboidratos (que podem ser convertidos
em gorduras) pelo tecido adiposo. Em ambos os casos, o resultado final é a
criação de um ambiente propício para o acúmulo de gordura nas células adiposas
e, com isso, o acúmulo de gordura corporal.
Além disso, a hipótese sugere que a inibição da liberação
de gordura pelo tecido adiposo faz com que as células metabolicamente ativas do
corpo, que dependem desse nutriente como fonte de energia, entrem em um estado
de “fome interna” pela menor disponibilidade de substratos energéticos.
Naturalmente, a resposta do organismo é de aumentar a fome do próprio
indivíduo, com o objetivo de aumentar o consumo de alimentos e, assim, prover a
energia que estava “faltando” para as células do corpo.
Por isso, teoricamente é criado um círculo vicioso de
feedback positivo:
Mais carboidratos = Mais insulina =
Menor liberação e maior acúmulo de gordura = “Fome interna” pelas
células do corpo = Maior sensação de fome e maior consumo
alimentar (provavelmente com carboidratos)
Outra consequência da maior ingestão de carboidratos — que
inclusive foi o foco principal do estudo — seria a redução no gasto energético
total* do indivíduo, decorrente da “fome interna” das células. Ou
seja, o corpo passaria a tentar economizar sua energia como um todo, uma vez
que as células sentiriam que existe uma baixa disponibilidade de substratos
energéticos. Assim, ficaria ainda mais fácil de uma pessoa exceder sua
necessidade energética “ideal”, facilitando ainda mais o acúmulo do excesso de
energia na forma de gordura corporal.
*O gasto energético
total é a variável que diz o quanto de energia, ou calorias, o corpo consome
diariamente, e é popularmente conhecida como “metabolismo”. Sabe quando alguém fala “tenho o metabolismo lento”; mesmo sem saber, a pessoa está se referindo ao seu gasto energético
total.
É claro que o processo é crônico demorado, envolvendo
várias etapas intermediárias; porém, resumindo, é mais ou menos assim: carboidratos
+ insulina = obesidade.
Agora sim, aos detalhes do estudo:
O desenho experimental do estudo foi relativamente simples.
Durante as quatro primeiras semanas, os participantes, que apresentavam
sobrepeso ou obesidade, consumiram o que os pesquisadores chamaram de dieta
basal (BD*, do inglês baseline
diet), rica em carboidratos. Após esse período, nas quatro semanas
seguintes, todos os indivíduos passaram a ingerir uma dieta cetogênica (KD*, do inglês ketogenic diet), bastante
restrita em carboidratos. As duas dietas tiveram a mesma quantidade de
proteínas, variando apenas no teor de gorduras e carboidratos.
*Apesar da
palavra “dieta” já estar contida nas siglas BD e KD, ela será utilizada
anteriormente a cada uma dessas siglas para facilitar a leitura.
Nesse momento já podemos apontar as duas primeiras
limitações do trabalho: ausência de grupo controle e ausência de aleatoriedade
(randomização) na distribuição dos participantes entre os grupos experimentais.
A forma mais fácil de contornar a primeira limitação seria
fazer com que um dos grupos, provavelmente o da dieta BD, que é um padrão alimentar
mais próximo ao consumido pelas pessoas no dia a dia, funcionasse como grupo
controle. Nesse caso, assim como acontece com a maioria dos ensaios
clínicos, os grupos experimentais seriam
acompanhados em paralelo, com parte dos indivíduos alocada para o grupo BD e os
demais para o grupo KD.
Entretanto, não foi isso que aconteceu. Por algum motivo, os
pesquisadores decidiram que todos os indivíduos participariam dos dois grupos
experimentais. Então uma coisa é certa: o estudo não teve um grupo controle
propriamente dito.
Só que fazer todos os indivíduos participarem de todos os
grupos do estudo não necessariamente é um problema, desde que, ao haver a troca
de grupos, exista um período que chamamos de washout.
Quando todos os participantes passam por todos os grupos
experimentais do estudo, isso na verdade é bom, porque cada indivíduo serve
como seu próprio controle. Nesse caso, chamamos o estudo de ensaio clínico cruzado (cross-over, em inglês). Porém,
isso só se aplica quando temos um período de tempo específico, denominado
washout, logo antes dos participantes do grupo A passarem para o grupo B, por
exemplo. O objetivo do washout é diminuir ao máximo as chances de qualquer
efeito observado no tratamento A influenciar o tratamento B.
Como não houve período algum entre os diferentes grupos
experimentais do estudo, ou seja, os participantes consumiram por quatro
semanas a dieta BD e no dia seguinte já estavam com a dieta KD, é possível
afirmar com certeza que, além de não haver um grupo controle, esse não foi um
ensaio clínico cruzado porque não houve período de washout. (Só para fazer um
paralelo, o último estudo do próprio Kevin Hall, discutido
anteriormente, foi um ensaio clínico cruzado com
direito a washout e grupo controle).
E fazer todos os participantes participarem dos dois
grupos, sem washout, é uma séria
limitação do estudo. O
principal problema é que, sem esse intervalo de tempo entre os grupos, os
efeitos do primeiro tratamento (dieta BD) podem diretamente influenciar o que
acontece com o segundo tratamento (dieta KD). Isso é algo com o qual é muito
difícil de lidar, uma vez que praticamente impossibilita saber qual é o efeito
real, isolado, do segundo tratamento.
Porém, além dessa primeira ressalva sobre grupo controle e
washout, é preciso mencionar também que o estudo não foi randomizado, ou seja, os
participantes não foram alocados de maneira aleatória entre os diferentes
grupos experimentais. E essa segunda limitação é tão preocupante quanto não
haver período de washout, porque não sabemos o que aconteceria, por exemplo, se
a ordem contrária fosse adotada: primeiras quatro semanas com a dieta KD e,
depois, as quatro semanas seguintes com a dieta BD.
Entre os ensaios clínicos, podemos ter aqueles que são
classificados como duplo-cego. Quando falamos de um estudo desse tipo — no qual nem os
participantes e nem os pesquisadores sabem quais indivíduos estão participando
de quais grupos experimentais —, e
que ao mesmo tempo tem um desenho experimental cruzado, a aleatoriedade na
distribuição dos participantes não é muito importante, uma vez que cada pessoa
vai participar de cada um dos grupos. Em outras palavras: se todo mundo vai
passar por todos os grupos, a ordem que isso acontece não é tão relevante.
Porém, assim como é o caso do estudo que estamos
analisando, os ensaios clínicos na área de nutrição dificilmente são do tipo
duplo-cego, principalmente porque os participantes inevitavelmente terão contato
visual com suas refeições, e por isso vão saber exatamente o que estão
consumindo. Nesse contexto, é muito difícil fazer com que dietas low-carb e
dietas low-fat, por exemplo, sejam praticamente idênticas para fazer o
“cegamento” dos participantes — a composição das dietas é muito diferente para
que os alimentos, no prato, sejam realmente parecidos. Por isso, é bem difícil
fazer um estudo duplo-cego com alimentos (mas não com suplementos), o que faz
com que a randomização,
principalmente quando o estudo não é cruzado, seja fundamental.
Como veremos a seguir, o estudo em questão foi extramente bem controlado do ponto de vista de
procedimentos experimentais, incluindo técnicas e métodos que são considerados
como padrão-ouro na ciência. Porém, considerando aspectos do desenho do estudo,
foi um ensaio clínico não
controlado (sem grupo
controle) e não randomizado (sem alocação aleatória dos
participantes). A ausência dessas duas características diminui bastante a força
que o estudo poderia ter, além de limitar algumas possíveis interpretações e
inferências a partir dele.
Voltando mais uma vez...
Para completar os dois períodos de quatro semanas nas
dietas BD e KD, 17 homens entre 18 e 50 anos, com IMC entre 25 e 35 kg/m2,
foram recrutados pelos pesquisadores. Antes de o estudo de fato começar, os indivíduos
passaram por uma série de testes e avaliações para que estivessem
familiarizados e aptos a participar de todos os procedimentos experimentais do
estudo.
As duas dietas, além de calculadas por meio de software,
foram analisadas quimicamente para garantir que suas composições nutricionais
fossem de fato condizentes com a distribuição de nutrientes previamente
determinadas para elas. Em ambos os períodos, a ingestão energética foi
calculada para que os participantes consumissem dietas normocalóricas, ou seja, para
manutenção de peso.
Um dos maiores trunfos do estudo foi manter todos os
indivíduos, por toda duração do estudo, em uma enfermaria metabólica. Nela, apesar de não terem muitas restrições
em relação ao que podem fazer dentro das possibilidades do local, os
participantes não tinha acesso a nada que vinha de fora. O principal objetivo
dessa condição era certificar que os únicos alimentos consumidos seriam aqueles
oferecidos pelos pesquisadores. Para reforçar essa questão, os indivíduos
tinham encontros frequentes com a equipe de saúde que os acompanhava, com o
intuito de garantir que todos os alimentos ofertados, de todas as refeições,
fossem sempre consumidos.
Considerando que todas as refeições foram precisamente
calculadas e analisadas, ter certeza que os indivíduos consumiam todos os
alimentos prescritos — e somente eles, nada de fora — seria imperativo para
que os pesquisadores soubessem ao certo que os efeitos observados em cada uma
das fases do estudo seriam decorrentes de cada dieta específica (BD na primeira
fase, KD na segunda fase). Todas as refeições aconteciam em uma área comum das
facilidades da enfermaria; durante esses momentos, além de serem observados
pelos pesquisadores, os participantes não podiam deixar a mesa até terminarem
suas refeições.
Apesar de terem ficado confinados em enfermaria metabólica,
os participantes podiam receber visitas periódicas. Os encontros aconteciam
sempre sob a supervisão de pessoas da equipe de saúde ou dos pesquisadores,
para que houvesse um controle no sentido de não permitir a entrada de alimentos
de fora da instalação.
As dietas tiveram as seguintes composições, em percentual
do total de 2400 calorias:
- BD: 15% proteínas, 50% carboidratos, 35% gorduras.
- KD: 15% proteínas, 5% carboidratos, 80% gorduras.
Para mais detalhes, segue a tabela 1 do estudo com as informações sobre as dietas:
Para medir o gasto energético total (EE, no estudo)
dos participantes, os pesquisadores utilizaram dois métodos principais: calorimetria indireta em câmara metabólica e água duplamente
marcada — esse último considerado como padrão-ouro quando o assunto
é aferir gasto energético total. De forma
semelhante, a composição corporal também foi medida por um procedimento
padrão-ouro, o DXA.
Aqui está um resumo do protocolo experimental utilizado no
estudo, incluindo os dois períodos de dieta (BD e KD) e as medidas de
calorimetria indireta (metabolic chamber), água duplamente marcada (DLW
dose) e composição corporal (DXA):
Além da prescrição dietética, todos os participantes foram
orientados — e supervisionados indiretamente, pelo uso de acelerômetros — a
praticar 90 minutos diários de bicicleta estacionária.
E quais foram os resultados?
Como esperado, os participantes de fato consumiram todos os
alimentos de todas as refeições ao longo do estudo. O único ponto curioso aqui
é que, apesar ter sido mencionado que as dietas forneceriam 2400 kcal/dia — e
esse valor, além de calculado, foi medido por análise química —, os
pesquisadores relatam mais à frente no artigo que os participantes consumiram
aproximadamente 2740 kcal/dia em ambos os períodos. Essa discordância entre os
dados é um pouco prejudicial para uma análise mais precisa dos resultados,
tendo em vista que estamos falando de balanço energético (ingestão de calorias vs. gasto de calorias). Infelizmente, em
nenhum momento os autores explicam o porquê dessa diferença entre as calorias
ingeridas diariamente.
Em relação à prática do exercício, os pesquisadores
relataram que os resultados foram “excelentes” para quase todos os indivíduos,
exceto três deles que não completaram o protocolo em alguns dias de menor
supervisão direta (dias sem câmara metabólica).
Porém, o primeiro resultado que merece grande destaque é o
fato de que os participantes
perderam peso durante o estudo, o que indica que um dos objetivos iniciais
do trabalho, de manutenção de peso, não foi devidamente cumprido. E vale
ressaltar que não faltaram esforços para que esse objetivo fosse alcançado:
cálculo e análise química da composição nutricional das dietas; certificação de
que todos os alimentos ofertados pelos pesquisadores (e apenas esses alimentos)
fossem consumidos; medidas periódicas de gasto energético total para determinar
a quantidade “ideal” de calorias a ser consumida pelos participantes.
Por algum motivo não explicado, os pesquisadores também não
relataram o que aconteceu nas primeiras duas semanas da dieta BD, apenas nas
duas últimas. Por isso, é impossível saber o que aconteceu nos primeiros 14
dias dessa primeira fase, já que em nenhum lugar do artigo tem menção a ela.
Porém, com os dados que temos das duas últimas semanas, foi observado que os
participantes tiveram uma perda de peso de 0,8 kg (figura A, abaixo), dos quais
0,5 kg foram de gordura corporal (figura B, abaixo):
Durante a dieta KD, houve uma rápida perda de peso inicial,
com uma redução de aproximadamente 1,6 kg (figura A, acima) nos primeiros oito
dias — essencialmente mantida até o fim das duas primeiras semanas com essa
dieta. Nas duas últimas semanas, a perda de peso média foi de apenas 0,2 kg
(figura A, acima). Como a perda de gordura corporal foi relativamente pequena,
principalmente nas duas primeiras semanas da dieta KD (figura B, acima),
pressupõe-se, assim como afirmado pelos próprios autores, que essa rápida e
considerável perda de peso foi decorrente da perda de água — o que de fato
acontece com dietas low-carb.
Considerando os 28 dias de dieta KD, a perda de gordura
corporal foi de 0,5 kg, resultado igual ao observado para as duas últimas
semanas da dieta BD. Como mencionei acima, o estudo, por algum motivo não
explicado, não apresentou os dados referentes às duas primeiras semanas da
dieta BD, e por isso não podemos ter certeza sobre o que realmente aconteceu
durante esse período.
As duas primeiras medidas de gasto energético total que os
pesquisadores analisaram foram: 1) cálculo a partir da perda de peso
avaliada por DXA; 2) água
duplamente marcada. Em ambos os casos, foi verificado que os participantes
estavam em balanço energético negativo, ou seja, ingerindo menos calorias do
que gastando diariamente — o que era de se esperar, uma vez que houve perda de
peso em ambos os períodos. Não foram detectadas diferenças estatísticas entre
essas duas medidas diferentes de balanço energético, como pode ser observado
abaixo (figura C).
É preciso mencionar que, nessa figura, para ambos os
métodos, o balanço energético para a dieta KD foi calculado apenas para as duas
últimas semanas desse período; para a dieta BD, apenas as duas últimas semanas
também foram contempladas (as únicas com dados disponíveis). Se observamos bem
a figura acima, logo percebemos que foram verificadas tendências contrárias nos
resultados: o gasto energético total calculado por DXA parece mostrar uma
balanço mais negativo para o período da dieta BD, enquanto que o gasto
energético calculado por água duplamente marcada (DLW) aponta para uma tendência de balanço mais negativo para o
período da dieta KD. E é aqui entra a relevância (e limitações) de cada uma
dessas medidas
O cálculo indireto do balanço energético a partir dos
resultados do DXA só pode ser feito após sabermos como a perda de peso ocorreu;
em outras palavras, esse cálculo só existe em
função de um resultado
previamente conhecido de perda de peso. Por outro lado, com a água duplamente
marcada, é possível calcular o balanço energético independentemente de sabermos o que aconteceu com o peso
dos participantes; tudo que precisamos saber é qual foi a ingestão energética e
também como foi a excreção da água duplamente marcada.
Para ficar um pouco mais claro, podemos imaginar o cenário
oposto. Digamos que tivesse ocorrido ganho de peso pelos participantes. Nesse
caso, devido a esse ganho de peso, o mais provável é que, independentemente do
método utilizado, fosse constatado um balanço energético positivo (mais
calorias consumidas do que gastas durante os períodos). Assim, para o cálculo
indireto a partir da composição corporal (DXA), só poderíamos inferir o
provável balanço energético positivo caso soubéssemos qual foi o ganho de peso
final desses indivíduos; é como se o resultado do ganho de peso fosse uma
"cola" ou uma “dica” para que o gasto energético seja calculado.
Por outro lado, para o método da água duplamente marcada, mesmo que não
soubéssemos o que de fato aconteceu com o peso dos participantes, ainda assim
seria possível calcular como foi o balanço energético desses indivíduos.
No estudo, vale lembrar que a dieta KD levou a uma rápida
perda de peso total nas duas primeiras semanas, com uma perda bem pequena nas
duas seguintes. Para os dados que temos da dieta BD, a perda de peso foi quatro vezes maior do que a perda de peso da dieta KD,
considerando o intervalo de tempo das duas últimas semanas de cada um desses
períodos (0,8 kg x 0,2 kg). Por esse motivo, quando consideramos o gasto
energético total calculado pelas alterações no peso (DXA), é natural que pelo
menos uma tendência de maior balanço negativo seja observada para a dieta BD,
uma vez que esse gasto energético só é determinado após sabermos o que houve com a composição
corporal.
Por isso, quando consideramos o método da água duplamente
marcada, que é mais preciso e fidedigno, o fato de haver uma tendência (sem
diferença estatística) de maior balanço energético negativo para o período da
dieta KD sugere que, se o estudo continuasse por mais algumas semanas ou
tivesse mais participantes na amostra, é possível que a perda de peso e de
gordura corporal fossem maiores para os indivíduos durante o período da dieta
KD.
Agora, quando comparamos o gasto energético total calculado
pelo outro protocolo do estudo, a calorimetria indireta em câmara metabólica (EEchamber), ao método da água
duplamente marcada (EEDLW),
notamos que há uma discordância considerável entre eles, como pode ser
observado na tabela 2 abaixo:
O gasto energético calculado pela calorimetria indireta foi
de 2619 kcal/dia para a dieta BD e de 2676 kcal/dia para dieta KD; a diferença
absoluta de 57 kcal/dia não teve significância estatística. Porém, quando os
valores de gasto energético foram ajustados pela perda de peso total ou pelas
mudanças na composição corporal que ocorreram em cada um dos períodos — e
esses ajustes têm que ser feitos, uma vez que as duas coisas alteram o gasto
energético total de uma pessoa —, a diferença entre eles subiu para 88
kcal/dia e 96 kcal/dia, respectivamente, com significância estatística em ambos
os casos a favor da dieta KD.
Por outro lado, pelo método da água duplamente marcada, o
gasto energético total medido foi maior durante os dois períodos: 2995 kcal/dia
para a dieta BD e 3146 kcal/dia para a dieta KD. E, mesmo sem o ajuste pela
perda de peso ou pelas mudanças na composição corporal, foi observada diferença significativa entre os
grupos. Esses dados também podem ser vistos na tabela 2 acima.
Esses resultados são importantes à luz de uma informação
que mencionei anteriormente: é nesse ponto do artigo, como também descrito na
tabela 2, que os autores afirmam que o consumo calórico dos participantes foi
de aproximadamente 2740 kcal/dia (e não de 2400 kcal/dia, como citado
inicialmente).
Comparando esse valor de ingestão calórica aos dados de gasto energético total, fica claro que somente os dados aferidos pelo método da água duplamente marcada seriam capazes de explicar a perda de peso apresentada pelos participantes, uma vez que o gasto energético medido por esse protocolo foi superior à ingestão calórica dos indivíduos. Ou seja, se pegarmos o consumo médio de 2740 kcal/dia para ambos os períodos, e subtrairmos esse número pelos valores de 2995 kca/dia (dieta BD) e 3146 kcal/dia (dieta KD), vamos obter resultados negativos. São justamente esses valores negativos que confirmam que os participantes estavam em balanço energético negativo, e que por isso perderam peso durante o estudo.
Por outro lado, quando consideramos os valores de gasto
energético calculado pela calorimetria indireta, pode ser observado que eles
foram inferiores ao consumo energético dos participantes, e por isso não seriam
capazes de explicar a perda de peso que ocorreu no estudo. Para ilustrar,
pegamos a mesma ingestão calórica de 2740 kcal/dia e subtraímos esse número por
2619 kcal/dia (dieta BD) e 2676 kcal/dia. Em ambos os casos, teríamos um
resultado final positivo, que naturalmente indicaria um balanço energético
positivo. Assim, considerando o gasto
energético por calorimetria indireta, os participantes deveriam ter ganhado
peso ao longo do estudo. Isso significa que esse método, nesse estudo, não
foi preciso o suficiente para realmente ser um bom parâmetro para discussão dos
resultados do estudo.
Resumindo: apenas o método que demonstrou um gasto energético superior ao consumo de calorias, que foi a água duplamente marcada, realmente se encaixa para explicar a perda de peso ocorrida — e isso vale tanto para a dieta BD como para a dieta KD.
Portanto, considerando esses resultados, a única conclusão
plausível à qual podemos chegar é que o método da água duplamente marcada é
consideravelmente mais preciso do que a calorimetria indireta aferida em câmara
metabólica. E provavelmente não apenas nesse estudo, tendo em vista que outros
trabalhos científicos já demonstraram que o método da água duplamente marcada
não apenas é mais direto e fidedigno que a calorimetria indireta, mas também é mais preciso, e por isso tende a não subestimar e a se aproximar
consideravelmente mais do real gasto energético daqueles que são submetidos a
esses protocolos. Não à toa o método da água duplamente marcada é estimado como
padrão-ouro para essa finalidade.
E isso nos leva ao próximo ponto. Se a água duplamente
marcada é mais confiável, então podemos afirmar que, nesse trabalho, a dieta KD de fato levou a um
aumento no gasto energético total quando comparada à dieta BD. Juntando
esse resultado ao fato de que nas duas últimas semanas da dieta KD os
participantes começaram a apresentar uma maior taxa de perda de gordura
corporal (figura A, acima), temos mais um indicativo de que, se o estudo
continuasse por mais algumas semanas, seria bem possível que a dieta KD levasse
a uma maior perda de gordura
corporal que a dieta BD.
Outra medida importante, definida previamente como desfecho
primário pelos pesquisadores, foi o gasto
energético durante o sono (SEE,
no estudo). Novamente, assim como ocorrido para o gasto energético total que
foi discutido acima, a tabela 2 mostra que durante o período da dieta KD,
comparado ao período da dieta BD, os participantes apresentaram valores
superiores para o gasto energético durante o sono. Além disso, ajustes pela
perda de peso e pela composição corporal, como foram feitos para o gasto
energético total, também revelou resultados ligeiramente maiores para essa
variável com a dieta KD.
Vale ressaltar que o aumento médio do gasto energético
total e do gasto energético durante o sono ao longo das quatro semanas de dieta
KD, em relação aos valores da dieta BD, não foi uniforme e constante ao longo
de todo o período (figura abaixo). Em ambos os casos, os resultados mostram
que, apesar de ter ocorrido uma elevação nessas duas variáveis quando
comparamos a dieta KD à dieta BD, o aumento foi mais pronunciado nas duas
primeiras semanas, com queda nas duas semanas seguintes — voltando para os
valores que tinham sido observados ao final da dieta BD. Mas isso era esperado,
uma vez que a perda de peso que ocorreu ao longo do estudo naturalmente leva a diminuições no
gasto energético (pessoas mais leves gastam menos energia em geral).
No entanto, essa questão da redução do gasto energético
total nas duas últimas semanas da dieta KD também é um pouco curiosa, pelo
seguinte motivo. Como observamos na figura B (lá no início dos resultados),
referente à gordura corporal, fica claro que a taxa de perda, para a dieta KD,
foi maior na segunda semana do que na primeira. E esse resultado é difícil de
contestar, porque estamos falando de uma variável que foi diretamente aferida
por DXA.
Por outro lado, como mencionei acima, quando olhamos para
os resultados de gasto energético, total e durante o sono, vemos que eles foram
caindo nas duas últimas semanas em relação às duas primeiras da dieta KD. Só
que, pela lógica, deveríamos esperar o contrário: se a taxa de perda de gordura
corporal está aumentando, o gasto energético deveria permanecer igual ou até
aumentar — e não diminuir. É por essas e outras inconsistências com medidas de
gasto energético, mesmo de métodos padrão-ouro como a água duplamente marcada,
que usar esse tipo de variável como foco da eficácia de uma dieta não é a melhor
das ideias. Trabalhar com variáveis mais concretas, como peso ou gordura
corporal, é sempre uma opção mais confiável e realista.
Caso alguém esteja se perguntando, a secreção de insulina, medida pela liberação de peptídeo-C (explicada aqui), evidentemente foi menor durante o período da dieta KD:
Assim como a produção de corpos cetônicos foi maior com a dieta KD:
Caso alguém esteja se perguntando, a secreção de insulina, medida pela liberação de peptídeo-C (explicada aqui), evidentemente foi menor durante o período da dieta KD:
Assim como a produção de corpos cetônicos foi maior com a dieta KD:
Outros pontos importantes
Mais uma vez vale destacar que quase tudo no estudo foi
muito bem feito. Pelo menos nessa área, nunca um trabalho foi tão rigoroso, tão
bem controlado e tão bem conduzido considerando seus principais objetivos. Não
foi perfeito, mas ainda assim foi excelente como trabalho científico.
Apesar disso, é claro que existem ressalvas que precisam
ser apontadas, além das que eu já comentei anteriormente. Por exemplo, os
autores afirmaram que, para medir o gasto energético total, o principal método
considerado foi a calorimetria indireta. É por isso que, no artigo, ela está
descrita como desfecho primário do
trabalho, enquanto que o gasto energético total medido por água duplamente
marcada não foi incluído nessa categoria.
Essa discussão de desfechos primários é bastante importante
do ponto de vista da análise de um estudo, principalmente quando vamos determinar
quais variáveis são as mais importantes para avaliarmos os resultados finais.
Nesse sentido, tendo o gasto energético total medido por calorimetria indireta
como desfecho primário, é por isso que ele foi utilizado como a variável mais
importante do estudo; teoricamente, ele até tem um peso maior para a análise
dos dados. Tanto é que a discussão do artigo é essencialmente baseada nesse
desfecho, em vez de focar no gasto energético total por água duplamente marcada.
Porém, a princípio não existe nenhuma justificativa plausível para os pesquisadores terem usado a calorimetria indireta, e não a água duplamente marcada, como método principal nesse desfecho primário do gasto energético total. Os autores até esboçam uma explicação, embora de maneira não muito explícita no artigo: o gasto energético por calorimetria indireta teria tido preferência porque foi medido dentro de uma câmara metabólica (ambiente mais controlado), enquanto que o gasto energético por água duplamente marcada foi aferido em dias fora da câmara metabólica (ambiente menos controlado).
Por um lado, esse argumento até faz sentido, justamente porque é possível saber com mais certeza o que cada indivíduo faz ou não faz dentro da câmara metabólica do que fora dela (a câmara metabólica é um quarto bem pequeno). Porém, medir o gasto energético fora da câmara metabólica, como foi feito com a água duplamente marcada, se aproxima muito mais de uma situação do "mundo real" do que o contrário. Assim, se olharmos por esse lado, o gasto energético total aferido pela água duplamente marcada tem a vantagem de refletir uma situação mais próxima do cotidiano de uma pessoa comum. Consequentemente, a possível justificativa dada pelos pesquisadores para usar o gasto energético da calorimetria indireta, em detrimento da água duplamente marcada, não parece se sustentar.
Todos esses pontos levantados, acerca da medida de gasto
energético total que foi escolhida como desfecho primário, são importantes para
se definir o foco e os rumos da discussão dos resultados do estudo,
possibilitando determinar a verdadeira relevância (ou não) desses resultados.
Por isso, entender qual variável seria mais interessante como desfecho primário
pode fazer muita diferença nas conclusões que podemos chegar com o estudo.
Vale lembrar que, mesmo usando o gasto energético total por
calorimetria indireta como principal variável, já que esse foi definido como
desfecho primário, ainda assim a dieta KD (low-carb cetogênica) mostrou
resultados mais favoráveis em relação à dieta BD (low-fat convencional). Nas
palavras dos próprios autores:
“Esses dados ... sugerem que
grandes alterações isocalóricas na proporção de carboidratos e gorduras
temporariamente aumentam o gasto energético em apenas ~100 kcal/dia, após ajustes por peso e
composição corporal”.
Realmente, aumentar o gasto energético total em apenas 100
kcal/dia não é um resultado tão expressivo, mas já pode significar alguma coisa
no longo prazo, principalmente se usamos a teoria das calorias como base para a
determinação do ganho ou perda de peso — que é justamente a teoria defendida
pelos autores do estudo. Tanto é que, em 2003, outros pesquisadores que defendem essa mesma ideia sugeriram que reduzir a ingestão calórica ou aumentar o gasto energético em 100 kcal/dia (ou menos) poderia prevenir o ganho de peso em 90% da população norte-americana.
As 100 kcal/dia são ou não são relevantes para quem acredita nessa teoria? O próprio Kevin Hall, em um artigo de 2011, afirmou que cada 100 kcal/dia a mais na dieta pode levar ao ganho de peso numa taxa de aproximadamente 1 kg por ano! Agora ele diz que esse valor seria negligenciável?
As 100 kcal/dia são ou não são relevantes para quem acredita nessa teoria? O próprio Kevin Hall, em um artigo de 2011, afirmou que cada 100 kcal/dia a mais na dieta pode levar ao ganho de peso numa taxa de aproximadamente 1 kg por ano! Agora ele diz que esse valor seria negligenciável?
Mas, indo um pouco mais adiante e considerando tudo que falei mais acima sobre desfechos
primários, a grande pergunta é: qual é o segredo por trás da calorimetria indireta em câmara metabólica? Por que, em vez disso, o gasto energético total medido por água duplamente marcada não foi escolhido como
desfecho primário?
Se isso acontecesse, a discussão do trabalho giraria em
torno do valor de 151 kcal/dia (da subtração entre 3146 e 2995 kcal/dia; tabela
2 do estudo, mais acima), que é 50% maior do que o valor considerado pelos
pesquisadores. Ainda é um valor relativamente baixo de aumento no gasto
energético diário? Sim, mas mesmo assim teria um peso um pouco maior — e relevante, segundo os defensores da teoria das calorias — se estamos
considerando que as calorias são o fator fundamental.
Para responder a essa pergunta de por que
usar o gasto energético por calorimetria indireta e não por água duplamente
marcada, podemos usar o site clinicaltrials.gov. Essa é uma plataforma onde ensaios
clínicos são registrados antes das pesquisas de fato começarem. Nela, podemos
acessar algumas informações básicas, mas relevantes, dos estudos que são
cadastrados, como é o caso do trabalho que estamos discutindo.
Usando o código NCT01967563 (contido no artigo) para ter acesso às informações de nosso interesse, é possível observar que, de fato, os desfechos primários foram definidos bem antes da publicação do trabalho, lá em 2013. Os autores realmente deixaram claro que iriam usar o gasto energético total como desfecho primário, em vez de outras variáveis — como, por exemplo, peso ou gordura corporal (que, na minha opinião, poderiam ser até mais interessantes como desfechos primários). Ok, até aí tudo bem. No entanto, em nenhum momento eles especificaram que esse gasto energético seria necessariamente medido por calorimetria indireta; teoricamente, poderia muito bem ser o gasto energético aferido pelo método da água duplamente marcada.
Veja na imagem abaixo, em "Primary Outcome
Measures":
Não existe nenhuma menção a
"calorimetria indireta". Foi só na publicação do artigo que os
pesquisadores deixaram claro que esse desfecho primário, do gasto energético
total, seria medido pela calorimetria indireta em câmara metabólica (EEchamber):
Ou seja, o gasto energético total foi sim
escolhido, desde o começo, como um dos desfechos primários do trabalho, mas
nenhum método específico havia sido previamente determinado para medir essa
variável. Além disso, no artigo, quando tiveram a oportunidade de justificar o
uso da calorimetria indireta, os autores também não deram uma explicação
convincente do porquê dessa escolha.
Será que tudo isso tem a ver com o fato de
que, no fim do trabalho, foi notado que o gasto energético total medido por
água duplamente marcada não apenas foi mais preciso como mostrou uma vantagem
ainda maior para a dieta KD? Se esse for o motivo, seria novamente um caso
evidente, e preocupante, de viés
de confirmação influenciando estudos científicos.
Seguindo adiante na discussão dos
resultados do estudo, os autores comentam no
artigo que existem diversos exemplos na literatura científica mostrando que,
quando a quantidade de proteína é mantida constante entre as dietas, como foi
feito nesse estudo, consumir mais ou menos carboidratos essencialmente não faz
diferença no gasto energético — e pode até reduzi-lo um pouco. E isso é
verdade. Alguns exemplos aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
Porém, assim como também foi apontado pelos pesquisadores, esses trabalhos não utilizaram quantidades tão baixas de carboidratos e tão altas de gordura como no estudo atual, e isso parece fazer diferença. Quando Kevin Hall e colaboradores, em seu estudo anterior de 2015, fizeram modelos matemáticos para prever o que aconteceria com o gasto energético de pessoas que consomem quantidades realmente baixas de carboidratos, eles chegaram à mesma conclusão factual do novo estudo: dietas cetogênicas, com grande restrição de carboidratos, realmente parecem levar a um pequeno aumento no gasto energético total.
Assim, mesmo que os autores do estudo atual achem irrelevante o aumento no gasto energético observado com a dieta KD, parece não haver muita discordância no fato de que esse aumento parece mesmo ser real (pelo menos no curto prazo).
Mudando um pouco de assunto, vamos falar sobre extrapolação
de resultados.
Imagine-se como um pesquisador. Se você faz um estudo que
mede o gasto energético e a oxidação (“queima”) de carboidratos e gorduras, mas
não mede perda de gordura corporal, uma
coisa que você não pode fazer é extrapolar resultados. Por exemplo, se
pessoas consumindo uma dieta A apresentaram maior gasto energético total, você
não pode dizer que elas perderam mais gordura corporal só porque estão
“queimando” mais energia como um todo. Outro exemplo: se os indivíduos do
estudo apresentaram maior oxidação de gordura com a mesma dieta A, você também
não pode dizer que elas perderam mais gordura corporal só porque estão
“queimando” mais gordura como fonte de energia.
Se você não mediu a variável que realmente pode dizer se
houve ou não perda de gordura corporal, você não pode afirmar que os sujeitos
emagreceram ou não. Você pode sugerir ou especular, mas nunca assegurar tal
fato.
Parece intuitivo, certo?
Mas olha que curioso. No estudo do ano passado, os
pesquisadores extrapolaram os dados de gasto energético e de oxidação de
macronutrientes (carboidratos e gorduras) para concluírem que uma dieta low-fat efetivamente — e eles fizeram questão de deixar
isso bem claro até no título do artigo — levou a uma maior perda de gordura corporal que uma dieta
low-carb. Porém, como deixei claro na
minha crítica ao estudo e nos exemplos acima,
essa é uma conclusão que é impossível de ser feita com base apenas em dados que
não medem diretamente o emagrecimento. E é uma conclusão ainda mais absurda
quando consideramos que os pesquisadores mediram, por DXA, como essa perda de
gordura corporal ocorreu, com os resultados mostrando que foi igual nos dois grupos.
Agora, nesse novo estudo, por que os autores (chefiados
pelo mesmo Kevin Hall) não usaram o mesmo raciocínio de extrapolação para concluir
que dietas low-carb cetogênicas são mais eficazes que dietas low-fat
convencionais para a perda de gordura corporal? Usando dados do balanço
energético, principalmente considerando o gasto energético total aferido por
água duplamente marcada, essa seria a conclusão lógica. Ao contrário, os que os
autores fizeram foi tentar suavizar a pequena, mas real, vantagem demonstrada
pela dieta KD.
Ganho de peso e perda de peso não são exatamente opostos
Independentemente dos resultados apresentados nesse estudo,
acredito que um dos maiores problemas envolvendo calorias, carboidratos,
gorduras e obesidade é a confusão que existe sobre o papel que cada um desses
fatores tem no ganho de peso e na perda de peso.
É comum falarmos de qualquer um deles como se tivessem exatamente as mesmas implicações em qualquer contexto. Mas será que a nossa fisiologia é tão simples assim?
Considere por um momento que, para o emagrecimento, a redução de carboidratos na dieta sempre leva a melhores resultados que a restrição de gorduras. Só porque sabemos que esses nutrientes influenciam dessa forma específica a perda de gordura corporal, como podemos garantir que o mesmo mecanismo se aplica ao acúmulo de gordura corporal?
A resposta é simples: não podemos.
Parece intuitivo pensar que a regulação dos níveis de gordura corporal ocorre de maneira “espelhada”. Nesse sentido, a lógica seria: se a menor ingestão de carboidratos leva ao emagrecimento, o maior consumo desse nutriente favorece o acúmulo de gordura. Esse é justamente o raciocínio usado por muitas pessoas que defendem as dietas low-carb. Porém, quando pensamos assim, estamos considerando que os vários outros fatores envolvidos nesses processos acontecem sempre da mesma forma, só que em direções opostas — a depender se estamos falando de acúmulo ou de perda de gordura corporal.
Só que não é isso que ocorre.
Vamos a um exemplo. Imagine um indivíduo com 25 anos, 65 kg
e 1,70 m. Quinze anos mais tarde, depois de ganhar 20 kg de gordura corporal, a
pessoa agora apresenta excesso de peso e desenvolveu resistência à insulina.
Depois de chegar a essa situação, a pessoa pensa consigo
mesma “Preciso urgentemente
fazer uma dieta...”. Após seis meses focando primariamente na restrição de
calorias, o indivíduo até conseguiu perder 4 kg, mas não ficou satisfeito. Por
isso, ele reflete mais uma vez: “Ouvi
dizer que aquela dieta low-carb é boa pra emagrecer. Não custa tentar!”.
Mais seis meses se passam e, após adotar a dieta low-carb, o indivíduo consegue
perder 10 kg.
Digamos que, em ambos os períodos de seis meses, a ingestão
energética média, por dia, foi a mesma. Nesse caso, ficaria claro que, por
qualquer que seja o mecanismo, a dieta low-carb demonstrou uma vantagem
metabólica em relação à dieta convencional.
Porém, só porque a dieta low-carb, caracterizada evidentemente pela restrição de carboidratos, apresentou uma vantagem durante o emagrecimento, isso não necessariamente significa dizer que foi o "excesso" de carboidratos, ao longo daqueles 15 anos, que levaram ao acúmulo de gordura corporal de 20 kg nesse indivíduo. Saber que um fator atuou de determinada forma durante a perda de peso não automaticamente implica que ele terá o efeito contrário no ganho de peso.
E isso é muito importante de se considerar, porque a eficácia das dietas low-carb para a perda de peso é uma verdade estabelecida na ciência, mas as evidências sobre o maior consumo de carboidratos como grande responsável pela epidemia de obesidade são relativamente escassas ou, no mínimo, inconsistentes. Nesse cenário, independentemente da maior ingestão de carboidratos levar ou não ao maior acúmulo de gordura corporal, ou da hipótese da insulina estar ou não correta, a adoção de dietas low-carb ainda assim se configuraria como uma estratégia eficaz para o emagrecimento.
Acredito que essa confusão, entre a restrição de carboidratos ser boa para o emagrecimento e o "excesso" levar ao acúmulo de gordura corporal, normalmente se amplifica porque costumamos não enxergar o ganho e a perda de peso como dois processos que não são espelhos um do outro.
O mais importante: o mundo fora da câmara secreta
Não adianta, o mais importante de tudo, quando queremos
determinar os padrões alimentares mais eficazes para o objetivo X ou Y, é
considerar quais são os efeitos dessas dietas no dia a dia das pessoas. Quando
falamos de emagrecimento, queremos saber o que acontece com a fome e com a
saciedade, o que acontece com a perda de gordura corporal, o que acontece com a
manutenção de massa magra. Queremos saber como é a adesão à dieta. Queremos ver
resultados.
Como já falei algumas vezes, inclusive na análise que fiz do estudo de 2015 do Kevin Hall, as dietas low-carb são mais eficazes que as dietas low-fat convencionais no "mundo real". Isso já está bem documentado na literatura científica.
Além disso, quando consideramos as dietas low-carb adotadas
pelas pessoas na prática, elas normalmente são mais ricas em proteínas do que a
dieta utilizada no estudo que analisamos. Esse é um detalhe do "mundo
real" que pode fazer muita diferença na prática. O maior consumo de
proteínas, por exemplo, é um dos principais fatores dietéticos responsáveis por
levar ao aumento da sensação de
saciedade ou à redução na fome, além de ser
efetivamente benéfico no sentido de promover uma melhor composição corporal — com maior perda de gordura e melhor manutenção de massa
magra, quando comparado a quantidades “normais” de proteínas.
Um resumo, por
favor
(Se já leu o
restante do texto, pode pular para a seção Considerações finais).
O objetivo do estudo foi verificar como uma dieta restrita
em carboidratos (cetogênica) influencia o gasto energético total diário (a “queima
de calorias” no dia) e a perda de peso. Para isso, 17 homens com sobrepeso ou
obesidade foram recrutados. Durante 4 semanas, eles consumiram uma dieta low-fat
convencional (dieta BD); depois, nas 4 semanas seguintes, eles passaram por uma
dieta low-carb cetogênica (dieta KD). As duas dietas foram calculadas, e
quimicamente analisadas, para que ocorresse a manutenção do peso dos
participantes.
O primeiro problema do estudo é que não houve um intervalo
entre os dois períodos de dieta. Assim, que terminaram as 4 semanas de dieta
BD, os indivíduos foram direto para a dieta KD. E o problema disso é que, se
não há um intervalo (chamado de washout),
os efeitos da primeira dieta (BD) podem influenciar a segunda dieta (KD).
Por causa dessa limitação, é difícil determinar as reais
implicações práticas do estudo. Sem contar que o estudo não teve grupo controle
e não teve os participantes distribuídos de maneira aleatória entre os períodos
BD e KD, o que torna ainda mais complicada qualquer inferência mais precisa
sobre o trabalho.
Apesar disso, tudo no estudo foi muito bem controlado. Os
participantes foram confinados em uma enfermaria metabólica por toda a duração
do estudo. Nela, eles ingeriram somente as refeições fornecidas pela equipe de
pesquisa; nada de fora. Eles podiam receber visitas (supervisionadas)
periodicamente.
O que aconteceu no estudo foi o seguinte. Houve perda de
peso em ambos os períodos, com 0,8 kg durante a dieta BD e 1,8 kg durante a
dieta KD. Porém, os pesquisadores só disponibilizaram os dados referentes às 2
últimas semanas da dieta BD; para a dieta KD, os dados correspondem às 4
semanas. A perda de gordura corporal, nesses períodos, foi de 0,5 kg com ambas
as dietas.
Para saber como se comportou o gasto energético total dos
indivíduos, os pesquisadores usaram três métodos diferentes: 1) cálculo a partir da perda de peso; 2) calorimetria indireta (câmara
metabólica); 3) água duplamente
marcada.
O primeiro desses métodos não é muito útil, porque ele só pode
ser calculado em função da perda de peso; se não soubermos como o peso
flutuou durante o estudo, não é possível determinar o gasto energético. Em
outras palavras, é um método que apenas calcula, mas não afere, a variável de
interesse.
O segundo método também não é tão preciso, e alguns dados
do próprio estudo evidenciam isso. Como mencionado acima, houve perda de peso
com as duas dietas. Isso significa que, tanto no período de dieta BD como de
dieta KD, os participantes estavam em balanço
energético negativo (gastando mais calorias do que ingerindo). Porém,
quando calculamos esse balanço a partir do gasto energético determinado pela
calorimetria indireta, não é isso que vemos: 2740 kcal/dia (ingestão
energética) subtraídas por 2619 ou 2676 kcal/dia (gasto energético nas dietas
BD e KD, respectivamente) nos dá um resultado final positivo — em vez
de dar negativo. Ou seja, a calorimetria indireta
está dizendo que os indivíduos ganharam peso, o que é exatamente o
contrário do que realmente aconteceu no estudo.
O terceiro método de determinação do gasto energético, a
água duplamente marcada, foi o mais preciso em mostrar o que realmente aconteceu
com o peso dos participantes em ambas as dietas. Ele de fato demonstrou um balanço energético negativo
condizente com a perda de peso observada no estudo. E isso já era de se
esperar, uma vez que esse é considerado como método padrão-ouro para
determinação do gasto energético total em trabalho científicos.
Apesar disso, os pesquisadores pautaram quase toda
discussão do estudo no gasto energético total determinado pela calorimetria
indireta, e não pela água duplamente marcada. E isso foi feito sem qualquer
justificativa plausível (detalhes na seção “Outros
pontos importantes”).
De qualquer maneira, mesmo usando a calorimetria indireta
como ponto central de discussão, o estudo mostrou que, quando comparado ao
período da dieta low-fat convencional (BD), os participantes apresentaram um
gasto energético total superior em ~100 kcal/dia durante o período da dieta
low-carb cetogênica (KD).
Porém, como explicado na seção “E quais foram os resultados?”, existem vários motivos para
acreditarmos que a ênfase deveria ter sido para o método da água duplamente
marcada, principalmente porque ele é mais preciso e fidedigno. Olhando por esse
lado, a vantagem da dieta KD em relação à dieta BD sobe para 151 kcal/dia.
Os pesquisadores tentaram, ao longo do artigo, atenuar esse
resultado positivo encontrado para o gasto energético durante o período da
dieta KD. De fato, temos que concordar que valores de 100 ou 150 kcal/dia não
são tão expressivos assim. Porém, se estamos considerando a teoria das calorias
como base — e essa é justamente a teoria defendida pelos autores do estudo —,
precisamos reconhecer que esse leve aumento no gasto energético poderia sim
contribuir com o emagrecimento.
O estudo teve alguns outros detalhes que podem ser
seriamente questionados. Caso tenha interesse sobre eles, leia a seção “Outros pontos importantes”.
Mas a questão principal é a seguinte: não queremos saber
como uma dieta low-carb, ou qualquer outro padrão alimentar, funciona em um
ambiente extremamente controlado. Queremos saber do dia a dia das pessoas. E,
no “mundo real”, já sabemos há muito tempo que as dietas low-carb geralmente
levam a resultados mais positivos no emagrecimento, e na melhora de parâmetros
metabólicos, quando comparadas a dietas low-fat convencionais.
Para quem tiver o inglês afiado, esse aqui é provavelmente o melhor resumo sobre a relevância e implicações do estudo.
Para quem tiver o inglês afiado, esse aqui é provavelmente o melhor resumo sobre a relevância e implicações do estudo.
Considerações finais
Relembrando o que foi mencionado lá no começo do texto, é
muito importante ressaltar que esse foi um estudo sem grupo controle, sem randomização e sem
período de washout entre os tratamentos. Por isso, independentemente de tudo
que foi discutido no meio do caminho, incluindo gasto energético e perda de
gordura corporal, ficam algumas dúvidas importantes:
Até que ponto as quatro semanas de dieta BD tiveram um efeito residual sobre as quatro semanas de dieta KD? Se tiveram, qual é a magnitude desse impacto? Será que um período de washout levaria a resultados ainda mais favoráveis para a dieta KD, ou será que o maior gasto energético observado nesse período só ocorreu porque a dieta BD teve um efeito “negativo” no gasto energético? Se a dieta BD fosse consumida por último, será que ela levaria a valores mais elevados de gasto energético? E se fosse nessa ordem (KD primeiro, BD depois), com washout, como seriam os resultados?
Por exemplo, o simples fato de ter ocorrido perda de peso durante o período da dieta BD já influencia o gasto energético para o período KD, já que uma redução no peso corporal leva a uma queda no consumo de calorias pelo corpo. Mesmo assim, durante a dieta KD, os participantes até apresentaram um maior gasto energético total.
Assim, fica claro como essas limitações do desenho experimental realmente prejudicam a análise do estudo. É verdade que o trabalho contou com muito rigor e controle, além de excelentes métodos para medir as variáveis de interesse. Porém, quando o desenho experimental — que é ainda mais importante — não é muito bem delineado, o estudo não é capaz de adequadamente responder à hipótese que ele se propõe a testar
Além disso, algo que pode ter passado um pouco despercebido por causa de toda a discussão sobre gasto energético, mas que merece ser destacada, é a questão da gordura corporal. Como vimos, a perda de gordura corporal foi a mesma ao final de cada período. Porém, como comentei ao longo do texto, diversos resultados apresentados pelo estudo nos levam a crer que, caso o estudo fosse um pouco mais extenso e contasse com um maior número de participantes, seria totalmente possível que a dieta KD apresentasse uma maior perda de gordura corporal nas semanas seguintes.
E não podemos nos esquecer da hipótese da insulina. Diferentemente da opinião do autor principal (Kevin Hall), eu particularmente não acredito que esse estudo tenha consigo refutá-la, por uma simples razão: o trabalho não teve o desenho experimental para isso, como expliquei em detalhes na seção "O novo estudo". E a verdade é que até os autores do trabalho sabem disso.
Olhando mais uma vez a descrição do estudo no site clinicaltrials.gov, também na figura abaixo, é possível perceber que os autores descrevem o trabalho como um estudo observacional, principalmente pela ausência de grupo controle, randomização e washout. Como costumo mencionar, estudos observacionais não são capazes de estabelecer causa e efeito, e muito menos refutar qualquer hipótese. Além disso, quando olhamos para o título original do estudo, vemos a palavra piloto contida nele. Um estudo piloto funciona como uma etapa preliminar, que abre caminho para desenvolver trabalhos científicos maiores — esses sim com potencial de refutar ou confirmar hipóteses.
Porém, apesar de ainda não ter acontecido, vamos imaginar por um momento que esse trabalho atual e que o estudo anterior do Kevin Hall tenha conseguido desmantelar por completo a hipótese da insulina. Isso significaria que o principal mecanismo que as pessoas usam para explicar a efetividade das dietas low-carb não estaria correto.
Olhando mais uma vez a descrição do estudo no site clinicaltrials.gov, também na figura abaixo, é possível perceber que os autores descrevem o trabalho como um estudo observacional, principalmente pela ausência de grupo controle, randomização e washout. Como costumo mencionar, estudos observacionais não são capazes de estabelecer causa e efeito, e muito menos refutar qualquer hipótese. Além disso, quando olhamos para o título original do estudo, vemos a palavra piloto contida nele. Um estudo piloto funciona como uma etapa preliminar, que abre caminho para desenvolver trabalhos científicos maiores — esses sim com potencial de refutar ou confirmar hipóteses.
Porém, apesar de ainda não ter acontecido, vamos imaginar por um momento que esse trabalho atual e que o estudo anterior do Kevin Hall tenha conseguido desmantelar por completo a hipótese da insulina. Isso significaria que o principal mecanismo que as pessoas usam para explicar a efetividade das dietas low-carb não estaria correto.
E qual é o problema disso? Nenhum.
O mecanismo pelo qual um padrão alimentar exerce seus
efeitos benéficos não é o mais importante, apesar de muita gente focar nesse
quesito. É claro que, em determinadas situações, saber o porquê da efetividade
de uma dieta pode ser útil. Porém, a eficácia é mais importante do que o
mecanismo. Saber que dietas low-carb funcionam no “mundo real” já é motivo
suficiente para recomendá-las.
Para concluir de verdade, gostaria de retomar o primeiro
assunto que abordei no texto: a briga entre teorias (calorias vs. insulina). Pessoalmente, como já
falei antes, não acredito que a hipótese da insulina esteja errada, mas sim
incompleta. Porém, a hipótese da insulina estar certa ou errada não muda em
nada o fato de que as dietas low-cab são ótimas alternativas que têm o
potencial de beneficiar muitas pessoas.
Continuar discutindo essas teorias provavelmente só vai nos
atrapalhar no sentido de fazermos as perguntas corretas. De forma alguma eu
acho que a pergunta “A hipótese da insulina está correta?”, feita pelo estudo em
questão, é verdadeiramente relevante para a saúde das pessoas que sofrem com
problemas associados ao excesso de peso. Mesmo assim, provavelmente foram
gastos milhares (ou até milhões) de dólares para que esse trabalho fosse
desenvolvido.
Em vez disso, precisamos investir melhor nossos recursos de
tempo e dinheiro. Precisamos de respostas para perguntas como “No dia a dia das pessoas, a dieta X é
verdadeiramente eficaz para o emagrecimento?”, porque são elas que vão nos
ajudar a realmente contribuir com a saúde das pessoas. Conhecer a eficácia da dieta não é melhor do que entender o
mecanismo pelo qual ela funciona?
Apesar de ter sido excelente do ponto de
vista científico, o estudo em questão (quase) não possui relevância prática.
E não que precise haver um vencedor, mas também não foi dessa vez que a dieta low-carb
foi desbancada.
Texto muito interessante. Parabéns pelo desenvolvimento, apesar de extenso não se tornou cansativo em momento algum.
ResponderExcluirFrustrante somente esse estudo. Esperava ter alguns de meus conceitos desafiados, mas isso não ocorreu =(
Olá!
ExcluirConcordo. Fiquei desapontado em ver uma ideia com tanto potencial se tornar um estudo com tantas limitações e com tão pouco relevante a dizer.
Creio dar um apoio melhor não mais postando como anônimo. Gostaria de sugerir uma postagem. Uma que traga as vitaminas e minerais essenciais, trazendo referências importantes junto à descrição de sua importância.
ExcluirSeria diferente das centenas de websites com que cruzamos se pesquisamos sobre um micronutriente, com uma descrição generalizada, sem qualquer explicação. Vitamina A é bom pra X porque sim, ponto.
Fica minha sugestão.
Olá, Lucas.
ExcluirNão posso garantir que vou escrever em breve sobre esse assunto, porque a lista de tópicos e sugestões já está bem extensa. Mas sugestão anotada!
Lucas, caso tenha interesse, pode entrar em contato comigo por e-mail que posso passar pra você uma boa fonte com essas informações que você solicitou.
ExcluirPode passar para mim também?
ExcluirBasta enviar um e-mail solicitando, Luis.
ExcluirJoão, João! Cê tá certo!!!
ResponderExcluirEu sou leiga, não prezo viés de confirmação. Só quero ser saudável (e estender aos meus)... Por isso, sigo o Mestre!
Se o estudo é tão polêmico e custou caro, qual o motivo de não fazê-lo corretamente, em pleno ano de 2016?
BD: 15% proteínas, 50% carboidratos, 35% gorduras.
KD: 15% proteínas, 5% carboidratos, 80% gorduras.
A dieta cetogênica não é propriamente "Low Carb" - de baixo carboidrato - é de BAIXÍSSIMO carboidrato, quase "carbo inexistente"... Isso faz uma diferença tremenda! Deveria chamar-se "estudo cetogênica X low fat". E os cetogênicos não puderam pular refeições como na vida real...
ME DÁ UMA RAIVA DANADA QUANDO PEGAM " A MAIS CETOGÊNICA DAS CETOGÊNICAS PARA DIZER QUE É LOW CARB"!
Eu sou "Slow Carb" ( de média gordura) e creio que muitos "Low Carbers" também o sejam e usem a denominação de forma meio absolutista - é preciso conferir as nemenclaturas das dietas alimentares e as ingestas cotidianas concretas. Cetogênica é difissílimo de seguir a longo prazo e creio que pouco utilizada no Brasil!
Nessa pelenga entre "Cetogênica" e "Low Fat", a "Slow Carb" fica a meio caminho...
E o jejum intermitente? Ainda vale o que você publicou? Ele não é contagem de calorias, nem restrição calória (porém não deixa de exercer os dois papéis no total da dieta). Para mim, ele é a amarração perfeita, visa o meu sucesso nessa fase delicada de menopausa / climatério...
Imagino ser consenso e independer de dietas "comer comida de verdade, abusar dos vegetais, fazer sobremesas com frutas menos doces, consumir carboidratos não farináceos e se lambuzar em gorduras monoinsaturadas" (o jejum fica em segredo por enquanto).
Agradecida!
Olá, Cristina.
ExcluirEu não sei qual foi o motivo de tanto investimento para um estudo que, no fim, foi tão limitado. Acredito que, se as coisas tivessem sido um pouco mais bem pensadas, os mesmos recursos poderiam resultar em produto bem melhor. Só os autores do trabalho realmente podem explicar essas coisas.
O jejum continua valendo. Inclusive, não se alimentar quando não tem fome, assim como você mesma mencionou, é algo que continua fazendo todo sentido.
ExcluirGrata pela atenção!
João, mais uma vez parabéns pela postagem.....mas fiquei muito confuso, quem é louco a ponto de investir tanto tempo e dinheiro para provar nada?
ResponderExcluirPois é, Marcos.
ExcluirO meu palpite é que o interesse pessoal dos autores em defender o próprio ponto de vista fez eles usarem esse fraco desenho experimental, usando o argumento de ser "apenas" um estudo piloto, como forma de minimizar qualquer resultado contrário (a favor da dieta KD) que poderia vir a ocorrer.
Mas vai saber...
Penso que os autores do estudo, que são pessoas, tem o direito de acreditarem no que quizerem, isso é até compreensível no nivel pessoal... mas fiquei com a impressão que extrapolar isso pro nivel profissional, traz certo constrangimento: por que eles insistem em querer que os outros também acreditem no que eles acreditam? Nada contra esmiuçar KD x BD, mas se as famigeradas calorias são tão importantes para eles, que sejam do começo ao fim, e não somente até o ponto em que deixou-lhes em "apuros"...
ResponderExcluirOlá, José.
ExcluirComo pesquisadores, eles têm o dever de se esforçarem para separar as crenças pessoais da verdade científica. A falta de imparcialidade na ciência, ou a influência das próprias crenças pessoais nas diversas etapas de um estudo científico, é inclusive um dos maiores problemas da pesquisa -- particularmente na nutrição, que é uma área sobre a qual posso falar um pouco mais.
Existem dezenas e dezenas de estudos, alguns muito importantes, que moldam diretrizes e recomendações de saúde pública, que foram e são influenciados pelos mais diversos tipos de vieses e conflitos de interesse. Junto a isso, temos poucas pessoas se preocupando em analisar de forma imparcial as evidências científicas que já foram publicadas.
Olá João, acompanho sempre seu blog e gostaria de tirar uma dúvida. Venho praticando JI há algum tempo, perdi peso gradualmente, porém meu peso havia estacionado nas últimas semanas. Assim, decidi iniciar a estratégia da dieta cetogenica, reduzindo os carbos e aumentando as gorduras. Em 2 semanas se foram 4kgs! Não achei nada no seu blog especifico sobre a dieta cetogênica, tenho muita curiosidade em saber quais são suas conclusões sobre ela (inclusive se é vantajoso estar em cetose para fins de perda de gordura). Um grande abraço e parabéns pelo blog!
ResponderExcluirAh, ótima pergunta!
ExcluirMuito em breve pretendo escrever mais especificamente sobre dieta cetogênica. Como são muitos detalhes, vou resumir o que penso.
Para perda de peso, adotar uma dieta cetogênica, ou estar em cetose, nem sempre é o que leva aos melhores resultados quando o assunto é emagrecimento. Algumas pessoas, inclusive, podem ter resultados mais positivos com dietas que não são low-carb.
Como falei, esse assunto realmente não vai demorar pra aparecer aqui no blog, então fique de olho.
Abraço e obrigado pela leitura!
Olá João, gostaria de saber oque você acha do carb cycling, mto praticada por fisiculturistas em fase de cutting...especificamente, qual o embasamento científico de se queimar gordura desta forma, até porque no geral se fazem 2 ou no maximo 3 dias de low (no) carb, e outros dias com high ou moderate carb...2 ou 3 dias não é um período muito curto para o corpo utilizar as gorduras estocadas como fonte de energia? um grande abraço
ResponderExcluirOlá.
ExcluirFazer ciclos de mais e menos carboidratos curtos como esse, de 2-3 dias, provavelmente não ajudam muito (ou nada). Como você mesmo mencionou, o tempo é muito curto para que a restrição de carboidratos possa ter um efeito adicional.
Qualquer efeito no emagrecimento, ou outra variável sendo avaliada, provavelmente vai ser muito mais da ingestão energética total, ou talvez do consumo de proteínas, do que propriamente do ciclo de carboidratos.
Parabéns pelo profundo trabalho
ResponderExcluirObrigado pela leitura, Érico.
ExcluirSugiro a leitura , esse Kelvin Hall já é questionado há muito tempo por querer desbancar a low-carb.
ResponderExcluirhttps://www.dietdoctor.com/how-kevin-hall-tried-to-kill-insulin-hypothesis-pure-spin
Olá.
ExcluirAlguns dos estudos conduzidos pelo Kevin Hall até podem ser usados para contestar algumas das "verdades absolutas" que os defensores mais extremistas das dietas low-carb usam como argumentos. Mas o estudo discutido nesse texto não é um deles.
Além disso, o Kevin Hall é sim um bom pesquisador, mas infelizmente, pelo menos em alguns momentos, ele deixa seu próprio viés pessoal influenciar sua própria visão sobre a nutrição -- assim como fazem vários outros pesquisadores, e assim como infelizmente faz a maioria das pessoas.