quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Comer ou não comer de 3 em 3 horas?




Recentemente percebi que esse é um tema cada vez menos comentado. Talvez porque a controvérsia tenha diminuído ao longo do tempo, ou talvez só porque surgiram coisas novas que são mais atrativas de se discutir.

Ainda assim, essa questão da frequência alimentar é um tema que, como vários outros na nutrição, traz dúvidas para muitas pessoas, justamente porque parece não haver consenso. Pessoas diferentes, incluindo profissionais de saúde, terão respostas diferentes para a mesma pergunta. Por isso, é um assunto que provavelmente está mais ou menos junto da história do ovo, que acaba virando piada porque os nutricionistas sempre mudam de opinião sobre as coisas que fazem bem e as que fazem mal para a saúde.

Mas antes de esclarecermos essa questão, que é bem mais simples do que parece, vale a pena começar com a seguinte pergunta: qual é a ideia por trás da teoria do “comer de 3 em 3 horas” ou das “6 refeições por dia”?

Ela se baseia principalmente em dois pilares:

1) Refeições mais frequentes aumentariam o gasto energético, pois o corpo estaria constantemente trabalhando para digerir, absorver e utilizar os nutrientes dos alimentos, o que facilitaria o emagrecimento.

2) Refeições mais frequentes ajudariam a reduzir a fome e aumentar a saciedade, justamente porque o organismos estaria recebendo nutrientes de forma constante e gradual, o que auxiliaria a perda de peso.

Mas o que a ciência diz?

Em 2014, foi publicado aquele que até hoje é o melhor estudo de revisão sobre o assunto. Sim, já é um estudo um pouco mais velhinho, mas ainda sim extremamente relevante — e mais do que suficiente para esclarecer de vez o que sabemos sobre frequência alimentar e emagrecimento.

O grande diferencial desse estudo é que ele incluiu não apenas os ensaios clínicos convencionais sobre o assunto, mas também os controlled feeding trials. Os controlled feeding trials são ensaios clínicos “especiais”, nos quais a ingestão alimentar é estritamente controlada para que seja praticamente nula a influência dos mais diversos fatores de confundimento que envolvem os estudos, os quais poderiam atrapalhar a interpretação dos resultados.

Na maioria dos ensaios clínicos, os participantes evidentemente recebem orientações específicas do que devem ou não devem consumir, de acordo com o que o estudo está se propondo a explorar. Mas, na prática, são os próprios indivíduos que escolhem e preparam suas refeições. Nos controlled feeding trials, por outro lado, as refeições são ofertadas pelos próprios pesquisadores, com o consumo alimentar acompanhado da forma mais controlada possível. Essa é uma forma de garantir que os efeitos observados no estudo serão exclusivamente decorrentes das intervenções sendo testadas, o que faz com que os controlled feeding trials sejam a melhor forma de se avaliar como uma dieta específica influencia os parâmetros que estão sendo estudados.

Considerando apenas os ensaios clínicos convencionais incluídos nesse estudo de revisão, foi observado que o emagrecimento ocorre independentemente da frequência alimentar. E isso foi corroborado por todos* os controlled feeding trials analisados, que chegaram exatamente às mesmas conclusões. Ou seja, isso significa que fazer duas, três, seis ou quantas refeições forem essencialmente não muda a forma como a alimentação afeta a perda de peso. E o mais interessante é que esses resultados foram observados com diversas ingestões calóricas, com diversas frequências alimentares e após diversos períodos de intervenção dietética.


*Na verdade, houve uma exceção. No trabalho de Stote et al. (2007), que se trata de um estudo de jejum intermitente, o emagrecimento foi maior para os participantes do grupo intervenção (20 horas diárias de jejum, 1 refeição por dia) do que para aqueles do grupo controle (3 refeições por dia). Mas esse estudo possui particularidades justamente por trabalhar com o jejum intermitente, e por isso não se encaixa muito bem quando a discussão é apenas sobre frequência alimentar. Para mais informações sobre esse estudo, sugiro a leitura desse texto.


Nas palavras dos autores, no próprio resumo do estudo: "No geral, a consistência dos resultados nulos, provenientes de ensaios clínicos que exploraram a influência da frequência alimentar sobre a perda de peso, sugere que a crença sobre o papel de uma maior frequência alimentar sobre o emagrecimento em pessoas adultas não é sustentada por evidências".

E para quem interessar, a principal tabela dessa revisão:




Resumindo: não tem por que se preocupar com frequência alimentar. É simples assim. Os resultados dos ensaios clínicos mostram, claramente, que o número de refeições realizadas ao longo do dia, quando considerado isoladamente, é um fator basicamente irrelevante se estamos falando de emagrecimento.

Mas vale lembrar que, quaisquer que sejam os estudos que discutimos, os resultados observados normalmente são generalizações. Em contextos individuais, levar em consideração o número de refeições do dia pode ser um fator importante. Isso vai depender das preferências individuais de cada pessoa, assim como das necessidades específicas que um indivíduo pode apresentar. Por exemplo, um homem idoso pode precisar de mais refeições ao longo do dia para garantir que suas necessidades proteicas sejam alcançadas. Por outro lado, uma mulher adulta jovem, com um trabalho que não permite muitas pausas ou cuja preferência é comer menos vezes ao longo do dia, vai estar bem com apenas três refeições diárias.

Se olharmos com atenção, é fácil enxergar as individualidades e respeitar as preferências pessoais. E assim podemos adequar o melhor da nutrição para cada um.