Essa é unanimidade: sódio (sal) em “excesso” faz mal à saúde.
Será mesmo?
Vamos entender um pouco melhor a influência que o sal, o sódio e outros nutrientes possuem sobre a nossa saúde — especialmente a saúde cardiovascular.
Sal e sódio: importância e aplicações
O sal nada mais é que um composto formado por duas
substâncias: sódio (Na) e cloreto (Cl). Por esse motivo, o sal também é chamado
de cloreto de sódio (NaCl). Quando ingerido e metabolizado, o sal é
naturalmente “separado” em nosso organismo, com os íons sódio e cloreto
circulando de forma relativamente livre e independente no sangue.
Em suas formas livres, tanto o sódio como o cloreto são íons, ou seja, partículas com algum tipo de carga (positiva ou negativa). O sódio possui carga positiva, por isso é comum encontrar a grafia Na+. O cloreto, por sua vez, tem carga negativa, e é por esse motivo que podemos nos referir a ele como Cl-. As cargas positiva e negativa do sódio e do cloreto, respectivamente, fazem com que eles sejam capazes de regular inúmeros processos no nosso corpo, principalmente a quantidade fluidos dentro e fora de cada uma de nossas células. E é exatamente por isso, entre outros motivos mais específicos, que esses nutrientes — juntos com potássio, cálcio, magnésio etc. — são tão importantes para nossa saúde.
Em suas formas livres, tanto o sódio como o cloreto são íons, ou seja, partículas com algum tipo de carga (positiva ou negativa). O sódio possui carga positiva, por isso é comum encontrar a grafia Na+. O cloreto, por sua vez, tem carga negativa, e é por esse motivo que podemos nos referir a ele como Cl-. As cargas positiva e negativa do sódio e do cloreto, respectivamente, fazem com que eles sejam capazes de regular inúmeros processos no nosso corpo, principalmente a quantidade fluidos dentro e fora de cada uma de nossas células. E é exatamente por isso, entre outros motivos mais específicos, que esses nutrientes — juntos com potássio, cálcio, magnésio etc. — são tão importantes para nossa saúde.
Além disso, como bem sabemos, o cloreto de sódio é
amplamente utilizado na culinária, como forma de melhorar ou realçar o sabor
dos mais diversos tipos de alimentos e preparações. E não apenas em alimentos
naturalmente “salgados”, tendo em vista que até mesmo preparações doces muitas
vezes utilizam o sal para dar um toque especial. Além disso, o sal ainda é
amplamente utilizado na conservação de alguns produtos, como peixes e alguns
alimentos fermentados. Culturalmente, quase todas as populações no mundo usam o
sal em sua culinária.
Recomendações de sal e sódio
A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que a
ingestão de sódio seja inferior a 2000 mg/dia [1]. Isso equivale a 5 g/dia de
sal. O cálculo é feito da seguinte forma: do peso total do cloreto de sódio
(NaCl), 40% corresponde ao sódio e 60% corresponde ao cloreto; assim, quando
calculamos 40% dos 5 g de sal, obtemos o valor de 2 g (ou 2000 mg) de sódio.
O Ministério da Saúde, aqui no Brasil, segue exatamente as
recomendações da OMS: até 5 g/dia de sal (2000 mg de sódio) [2]. Essa
quantidade corresponde, em medida caseira, a apenas 1 colher rasa de chá
(um pouco maior que aquela menorzinha, a colher de café). Dá pra ver que é realmente uma quantidade bem
pequena. De qualquer maneira, estima-se que a população brasileira ingere uma
média de 9,6 g/dia de sal, ou seja, o dobro do que é atualmente recomendado
[2].
Mas qual seria o impacto desse consumo “elevado” de sal?
Sódio e pressão arterial
Nesse tópico não há muita controvérsia. A redução no consumo
de sal realmente parece diminuir a pressão arterial, tanto em indivíduos
hipertensos (pressão arterial elevada) como em indivíduos com níveis normais de
pressão [3]. E não é uma mera associação, e sim uma relação de causa e efeito:
menos sódio = menor pressão arterial.
Ao mesmo tempo, sabe-se que existe uma relação entre maiores
níveis de pressão arterial de a ocorrência de problemas cardiovasculares [4]. E
é exatamente aí que mora o problema. Essa relação é apenas uma associação que
os estudos observacionais mostram. Não é possível concluir, a partir de estudos
observacionais, que existe uma relação de causa e efeito.
Além disso, duas ressalvas importantes devem ser feitas:
1) Apesar da redução no consumo de sódio diminuir a pressão
arterial em indivíduos com ou sem hipertensão [3], indivíduos com pressão
arterial normal não passam a apresentar hipertensão simplesmente por aumentarem
o consumo de sódio na dieta [5]. Isso que dizer o seguinte: pessoas
aparentemente saudáveis, e que apresentam pressão arterial normal (dentro dos
valores de referência), apresentam sim uma leve queda na pressão quando reduzem
o sódio na dieta; entretanto, quando aumentam a ingestão de sal, a pressão
arterial desses mesmos indivíduos saudáveis pode até aumentar um pouco, mas não
passam dos limites de referência.
2) A despeito da relação existente entre maiores níveis de
pressão arterial e a ocorrência de problemas cardiovasculares, estudos mostram que
a redução na pressão arterial parece não reduzir o risco de mortalidade por
doenças cardiovasculares [6]. E isso provavelmente é verdade porque inúmeros
são os fatores que contribuem para o desenvolvimento de doenças
cardiovasculares. Ou seja, é tanta coisa envolvida que, em muitos casos,
modular a pressão arterial nem sempre resultará em diminuição no risco desse
tipo de patologia.
Considerando esses dois aspectos, não é possível afirmar que a redução da pressão arterial, através do menor consumo de sódio da dieta, seria uma estratégia realmente efetiva para a prevenção de problemas cardiovasculares — inclusive em indivíduos que já possuem hipertensão.
Considerando esses dois aspectos, não é possível afirmar que a redução da pressão arterial, através do menor consumo de sódio da dieta, seria uma estratégia realmente efetiva para a prevenção de problemas cardiovasculares — inclusive em indivíduos que já possuem hipertensão.
Sódio, doenças cardiovasculares e mortalidade
Diversos estudos de revisão e meta-análise têm constatado que a redução no consumo de sódio, justamente nas quantidades recomendadas pela OMS (até 2000 mg/dia), parece não conferir qualquer benefício na saúde dos pacientes [7,8,9,10,11]. Além de não conferir efeitos positivos, a ingestão reduzida de sódio na dieta tem sido demonstrada — em diversos estudos recentes — como fator de risco para a ocorrência de eventos e mortalidade por doenças cardiovasculares, além de aumentar também o risco de mortalidade por todas as causas [7,12,13,14,15].
É importante mencionar que o consumo excessivo de sódio, acima de 4800 mg/dia (12 g/dia de sal), também aumenta o risco de mortalidade por doenças cardiovasculares. Ou seja, quando o sódio está em excesso de verdade, ele certamente também não é bom. Entretanto, o consumo de sal entre 5 e 10 g/dia (2000 a 4000 mg/dia de sódio) — apesar de ser acima do recomendado pela OMS — foi o consumo que se mostrou mais protetor contra o risco de mortalidade nos estudos citados anteriormente.
Lembra que o sal, além do sódio, é composto também por cloreto? Pois é, um outro estudo recente verificou que a baixa concentração de cloreto no sangue de pacientes hipertensos também aumenta o risco de mortalidade [16]. A menor quantidade de cloreto no sangue desses indivíduos provavelmente reflete a menor ingestão de sal pela dieta. Assim, mais uma vez, a redução no consumo de sal (sódio e cloreto) foi associada ao maior risco de mortalidade.
Sódio, potássio e magnésio
A relação do sódio com a saúde, especialmente a saúde
cardiovascular, vai além. Muitas vezes esquecemos o papel que outros nutrientes
e compostos da dieta podem exercer nessa história.
Um dos principais aliados da saúde cardiovascular é o
potássio. Diversos estudos vêm demonstrando que o balanço entre o consumo de
sódio e potássio é muito mais importante do que avaliar apenas a ingestão de
sódio ou sal [17,18,19,20,21]. Isso acontece porque o sódio e o potássio atuam
em sinergia no nosso corpo, e o desbalanço entre eles é o que provavelmente
leva a problemas no equilíbrio das nossas funções fisiológicas.
Nesse contexto, é justamente a menor ingestão de potássio,
devido ao baixo consumo de frutas e hortaliças em nossa população, que
provavelmente contribui para que o sódio seja constantemente associado a
diversos problemas de saúde, especialmente às doenças do sistema
cardiovascular.
Além disso, outros nutrientes também podem estar relacionados nesse cenário. Recentemente, um estudo de revisão e meta-análise, que avaliou diversas outras pesquisas anteriores, concluiu que tanto a concentração sanguínea como a ingestão dietética de magnésio estão associados ao risco de doenças cardiovasculares [22]. E as conclusões são sempre as mesmas, também em outros estudos: quanto mais magnésio, menor o risco [23]. Assim, considerando que o consumo de magnésio é muitas vezes extremamente baixo — até mesmo naquelas pessoas que possuem uma alimentação saudável —, é muito importante ficar atento a esse nutriente.
Além disso, outros nutrientes também podem estar relacionados nesse cenário. Recentemente, um estudo de revisão e meta-análise, que avaliou diversas outras pesquisas anteriores, concluiu que tanto a concentração sanguínea como a ingestão dietética de magnésio estão associados ao risco de doenças cardiovasculares [22]. E as conclusões são sempre as mesmas, também em outros estudos: quanto mais magnésio, menor o risco [23]. Assim, considerando que o consumo de magnésio é muitas vezes extremamente baixo — até mesmo naquelas pessoas que possuem uma alimentação saudável —, é muito importante ficar atento a esse nutriente.
Considerações finais
É muito provável que a associação encontrada, em alguns estudos, entre o elevado consumo de sódio e o risco de saúde seja, na verdade, reflexo do elevado consumo de produtos industrializados e processados. A alta disponibilidade de produtos desse tipo “naturalmente” leva a população a consumi-los, e como normalmente são muito ricos em sódio, é possível que os crescentes problemas crônicos de saúde associados ao consumo de sódio sejam decorrentes da ingestão aumentada de produtos industrializados — os quais contêm elevada quantidade de substâncias químicas e sintéticas adicionadas a eles. Considerando as evidências mencionadas anteriormente, é bem possível que essa seja a verdadeira associação e que, talvez, o sódio em si realmente pouco ou nada tem a ver com malefícios à saúde cardiovascular.
Isso não quer dizer que você deve comer sal até não aguentar mais, mas sim que a preocupação com o sódio parece ser exagerada. A verdade é que comendo comida de verdade, incluindo muitas frutas e hortaliças — e evitando ao máximo o consumo de produtos industrializados e processados —, é muito provável que o indivíduo não precise se preocupar com a ingestão de sódio e possa adicionar sal a gosto em suas preparações. Naturalmente o consumo de sódio vai tender a estar em equilíbrio com o consumo de potássio (e magnésio), o que, como mencionado antes, parece ser muito mais importante para a saúde.
No geral, sal e sódio não representam um problema.
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Posts relacionados:
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- A ilusão do sal rosa do Himalaia
Referências
1. World Health Organization. Guideline: sodium intake for adults and children. Geneva, 2012.
2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à
Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população
brasileira: promovendo a alimentação saudável. Brasília: Ministério da Saúde,
2008. 210 p.
3. Graudal NA, et al. Effects of low sodium diet versus high
sodium diet on blood pressure, renin, aldosterone, catecholamines, cholesterol,
and triglyceride. Cochrane Database Syst Rev. 2011;(11):CD004022.
4. Kokubo Y, Kamide K. High-normal blood pressure and the
risk of cardiovascular disease. Circ J. 2009;73(8):1381-5.
5. Stolarz-Skrzypek K, et al. Blood pressure, cardiovascular
outcomes and sodium intake, a critical review of the evidence. Acta Clin Belg.
2012;67(6):403-10.
6. Lv J, et al. Effects of intensive blood pressure lowering
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PLoS Med. 2012;9(8):e1001293.
7. O’Donnell MJ, et al. Urinary sodium and potassium
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assessment of evidence. Washington, DC: The National Academies Press, 2013.
9. Mitka M. IOM report: evidence fails to support guidelines
for dietary salt reduction. JAMA. 2013;309(24):2535-6.
10. World Health Organization. Reducing sodium intake to
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2014.
11. Taylor RS, et al. Reduced dietary salt for the
prevention of cardiovascular disease. Cochrane Database Syst Rev. 2011;(7):CD009217.
12. Ekinci EI, et al. Dietary salt intake and mortality in
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low- and excessive-sodium diets are associated with increased mortality: a
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15. O’Donnell M, et al. Urinary sodium and potassium
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2014;371(7):612-23.
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meta-analyses. BMJ. 2013;346:f1378.
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2013;4(3):368S-77S.
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prospective studies. Am J Clin Nutr. 2013;98(1):160-73.
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of ischemic heart disease. Am J Clin Nutr. 2013;97(6):1299-306.