terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Vitamina K2, laticínios e saúde metabólica




Nos últimos anos, alguns estudos começaram a sugerir que existe uma relação entre os ossos e o metabolismo energético. Nesse caso, a relação seria mediada pela osteocalcina, uma proteína capaz de regular positivamente a densidade mineral óssea, direcionando e mantendo o cálcio no interior dos ossos.

A osteocalcina pode ser encontrada basicamente em duas formas: carboxilada ou descarboxilada. A carboxilação dessa proteína — ou seja, o acoplamento de grupos carbono à molécula — depende da ação da vitamina K, especialmente da vitamina K2*. E é justamente a forma carboxilada da osteocalcina que possui papel direto na regulação da densidade mineral óssea.

Quando existe uma deficiência de vitamina K2, o processo de carboxilação da osteocalcina não acontece como deveria. Com isso, a produção de moléculas carboxiladas de osteocalcina ainda acontece, mas boa parte delas acabam ficando descarboxiladas, com sua função prejudicada no que diz respeito ao metabolismo ósseo.

Apesar disso, nos primeiros estudos que exploraram o papel da vitamina K sobre a saúde metabólica, foi justamente a osteocalcina descarboxilada, mais prevalente quando há uma insuficiência de vitamina K2, que apareceu como um hormônio “do bem”. Até mesmo mais recentemente, pesquisadores continuam observando que, em estudos com animais, a osteocalcina descarboxilada seria um importante hormônio capaz de balancear o metabolismo energético, potencialmente prevenindo o ganho de peso e a síndrome metabólica.

Levando tudo isso em consideração, surge a pergunta: será que a suplementação com vitamina K2, assim como a ingestão de alimentos ricos nesse nutriente, ambos aumentando a concentração corporal de osteocalcina carboxilada, seria capaz de levar ao ganho de peso e à piora da saúde metabólica?


Vitamina K2 e saúde metabólica em humanos

Em 2011, veio o primeiro estudo a avaliar essa hipótese em humanos. Depois de 4 semanas, a suplementação com vitamina K2 (MK-4**, 30 mg/dia) levou a uma melhora na sensibilidade à insulina em adultos jovens e relativamente saudáveis.

No ano seguinte, em um ensaio clínico com duração de 3 anos, a suplementação com vitamina K2 (MK-4, 45 mg/dia) levou à manutenção do peso em mulheres pós-menopausa, enquanto que as participantes que suplementaram com placebo apresentaram ganho de peso. Já no começo de 2017, outro estudo de 3 anos, dessa vez com pessoas idosas, não mostrou diferenças na composição corporal entre aqueles que suplementaram ou não com vitamina K***.

Agora, no começo de 2018, mais um ensaio clínico com 3 anos de duração foi publicado. Nesse trabalho, a suplementação com vitamina K2 (MK-7**, 180 µg/dia) não levou a alterações significativas na composição corporal. Porém, nos participantes considerados como mais responsivos, com maior elevação nos níveis corporais de osteocalcina carboxilada, a suplementação com vitamina K2 levou à redução na gordura abdominal e na gordura visceral.

Olhando para esses estudos, uma coisa fica clara: a ingestão de vitamina K2, assim como o aumento na concentração corporal de osteocalcina carboxilada, não parece afetar negativamente a composição corporal ou a saúde metabólica em seres humanos. Inclusive, considerando os melhores cenários, o que se observa é um efeito positivo da suplementação de vitamina K2 nesses parâmetros, até agora com resultados mostrando melhora da sensibilidade à insulina, prevenção do ganho de peso e redução na gordura abdominal e visceral.

Isso tudo contraria o que foi observado nos estudos com animais até o momento, os quais sugerem que a osteocalcina descarboxilada, mais presente em casos de insuficiência de vitamina K2, seria um fator positivo para a manutenção da saúde metabólica. Esse é um exemplo claro de por que precisamos de estudos com pessoas para realmente entendermos como se dá a relação entre os nutrientes, os alimentos e a nossa fisiologia. Muitas vezes os resultados observados em estudos com células ou animais simplesmente não se aplicam ao que de fato acontece com seres humanos.

(Ainda assim, estudos mais recentes com animais estão mostrando o mesmo que os trabalhos com seres humanos, ou seja, que a vitamina K2, e por consequência a osteocalcina carboxilada, parece ser importante para uma saúde metabólica equilibrada.)


Laticínios e saúde metabólica

Nos últimos anos, muitos e muitos estudos têm mostrado que o consumo de laticínios está associado a uma boa saúde metabólica. Alguns exemplos:


Os resultados verificados nesses estudos de revisão são bem consistentes. Por isso, embora não tenhamos dados tão sólidos nos ensaios clínicos que exploram essa temática, é bem possível que a associação entre laticínios e saúde metabólica represente uma relação de causalidade.

Como existem muito mais evidências de estudos observacionais que exploram esse tema, ainda não é possível afirmar com tanta certeza que o consumo de leite e derivados realmente leva a um impacto direto sobre uma boa saúde metabólica. Mas suponhamos que exista, de fato, uma relação de causalidade. Qual seria a explicação?

Nos últimos anos, com cada vez mais estudos sugerindo efeitos metabólicos positivos a partir do consumo de leite e derivados, várias hipóteses surgiram. Algumas evidências apontam para um efeito das proteínas do leite em geral, outras apontam para um efeito de peptídeos específicos. No caso dos laticínios integrais, temos ainda o ácido linoleico conjugado (CLA) e os ácidos graxos de cadeia ímpar (ácido decapentaenoico e ácido decaheptaenoico) como possíveis mediadores dos efeitos benéficos sugeridos.

E, realmente, todos esses fatores podem estar envolvidos.

Mas por que não a vitamina K2?

Ninguém até agora tem falado sobre como a vitamina K2 poderia ser um fator alimentar importante para a manutenção de uma saúde metabólica adequada. Se esse for o caso, os laticínios também seriam. Especialmente os queijos, iogurtes e outros derivados fermentados (como o kefir), porque é durante a fermentação dos laticínios, por ação bacteriana, que a maior parte da vitamina K2 nesses alimentos é produzida.

Saber que os laticínios e a vitamina K2 contribuem para nossa saúde metabólica já é suficiente. Entender como isso acontece é secundário, mas não deixa de ser interessante.

E como é bem possível que perguntem, as melhores fontes de vitamina K2 são: nattō, fígado, queijos duros, queijos moles, ovos e carne escura de aves (coxa, por exemplo).



*A vitamina K1 é a forma que quase todo mundo se refere ao falar sobre vitamina K em geral, presente principalmente nos vegetais folhosos de cor verde. A vitamina K2, por outro lado, é mais difícil de encontrar nos alimentos e é encontrada principalmente em alimentos fermentados.

**MK-4 e MK-7 são as duas principais formas de vitamina K2 nos suplementos.

***No estudo de 2017, a suplementação foi com vitamina K1. Tendo em vista que a vitamina K2, e não K1, é o nutriente que tem papel crucial na carboxilação da osteocalcina, esse estudo acaba não sendo tão relevante para a nossa discussão. De qualquer forma, fica a menção.