terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Quando a dieta low-carb não é melhor para o emagrecimento




Considerando os estudos do tipo ensaio clínico publicados nas últimas décadas, as evidências sugerem consistentemente de que, no geral, as dietas low-carb são superiores às dietas convencionais para perda de peso.

Esse fato, no entanto, só é totalmente claro quando a totalidade dos estudos é considerada em conjunto, como em revisões sistemáticas e meta-análises. Se olharmos para cada estudo isoladamente, porém, é possível encontrar dezenas de trabalhos em que as dietas convencionais, que normalmente são low-fat, são tão eficazes quanto dietas low-carb quando o assunto é emagrecimento*.


*Perda de peso e emagrecimento, apesar de não serem sinônimos, foram usados como termos equivalente nesse texto, exceto no detalhamento e discussão dos estudos científicos propriamente ditos. Afinal, o objetivo das pessoas em geral, quando dizem que querem perder peso, é a redução na gordura corporal (emagrecimento).


Então fica a pergunta: se as dietas low-carb são realmente superiores, por que elas não levam clara vantagem em todos os estudos?

A resposta, apesar de praticamente nunca receber a devida importância, parece ser bem simples: o grau de resistência à insulina que as pessoas apresentam.


O que é a resistência à insulina?

A insulina, entre suas diversas funcionalidades, tem o papel de facilitar a entrada de glicose  e de alguns outros nutrientes, mas principalmente de glicose  nas mais diversas células do corpo. Para fazer isso, esse hormônio se liga ao receptor de insulina, localizado na superfície das células, e desencadeia uma série de processos intracelulares que levam à incorporação de transportadores de glicose (GLUTs) na membrana celular. O mais importante desses transportadores, no caso da ação da insulina, é o GLUT4.

A figura abaixo representa o mecanismo de translocação do GLUT4 até a membrana celular a partir da ação da insulina. No canto superior esquerdo, vemos a insulina, representada pelas bolinhas, se ligando ao seu receptor. Após a ativação de vias bioquímicas que envolvem enzimas como IRS, PI3K e AKT, as vesículas de armazenamento de GLUT4 (GSV) são deslocadas até a membrana celular para que as proteínas GLUT4 possam ser acopladas. No fim, com a maior concentração de transportadores, a glicose pode entrar com mais facilidade nas células.



Devido a alguns desarranjos metabólicos, as células do corpo podem entrar em um estado que chamamos de resistência à insulina. Como o nome sugere, esse é um quadro em que as células resistem à ação da insulina; os receptores de insulina, mesmo com a ligação do hormônio, não desencadeiam o processo intracelular de sinalização para a translocação de GLUT4 até a membrana celular. Ao não acontecer uma resposta adequada à insulina, o deslocamento das proteínas GLUT4 e a captação de glicose ficam reduzidos. Esse processo é mais evidente nos tecidos muscular e adiposo.

Porém, a resistência à insulina pode ocorrer também em outros tecidos e órgãos, como o fígado. Apesar de pouco discutido, o processo de resistência à insulina no fígado é tão importante quanto em outros tecidos (ou até mais importante). Nesse órgão, a baixa responsividade das células à insulina dificulta a ação desse hormônio em inibir o processo da gliconeogênese, que é a produção de glicose a partir de outros substratos, como aminoácidos e glicerol.

Nos estágios iniciais, a maior presença de glicose circulante leva a uma resposta compensatória na secreção de insulina pelo pâncreas, impedindo que a hiperglicemia perdure. E isso funciona, pelo menos provisoriamente: a maior liberação de insulina é, num primeiro momento, suficiente para manter a capacidade das células de captar glicose sanguínea e de inibir, mesmo que tardiamente, a via metabólica da gliconeogênese (e, consequentemente, a produção endógena de glicose). Porém, com o passar do tempo, a resistência à insulina se torna tão pronunciada que nem mesmo a maior liberação de insulina é suficiente para conter a hiperglicemia.


Essa imagem contém um erro, porque mostra a glicose sendo captada pelo próprio receptor de insulina, em vez de estar sendo transportada pelo GLUT4. Mesmo assim, ela ilustra bem a menor captação de glicose que acontece na resistência à insulina.


É nesse momento, de baixa resposta das células à insulina, que o paciente apresenta valores alterados de glicose sanguínea ao realizar um exame de sangue, podendo ser diagnosticado com pré-diabetes (glicemia entre 100 e 125 mg/dL) ou com diabetes tipo 2 (glicemia igual ou superior a 126 mg/dL).




Vale ressaltar que a resistência à insulina, além de ser o ponto inicial do desenvolvimento do diabetes tipo 2, é também a base da síndrome metabólica.

A síndrome metabólica, por sua vez, é caracterizada pela presença de três ou mais dos seguintes fatores: HDLc reduzido; triglicerídeos elevados; glicemia de jejum alterada; obesidade abdominal; pressão arterial elevada. É praticamente impossível encontrar uma pessoa com síndrome metabólica que não possua também resistência à insulina, uma vez que a própria resistência à insulina está diretamente ligada a todos os critérios diagnósticos da síndrome metabólica  e um deles, a glicemia de jejum, é um resultado direto da não responsividade das células a esse hormônio.

Não falaremos hoje sobre as possíveis causas da resistência à insulina, até porque ninguém sabe exatamente como o processo realmente ocorre. A incerteza sobre essas causas ainda é tão grande porque os estudos que são publicados sobre o assunto parecem querer fazer com que a resistência à insulina pareça um fenômeno muito mais complicado do que ele provavelmente é. São dezenas e dezenas de mecanismos propostos que buscam explicar o quadro; toda hora surge um novo, mas nenhum parece realmente ser capaz de elucidar como ocorre o surgimento da resistência à insulina.

Eu, particularmente, tenho minha própria hipótese, que na verdade é relativamente simples. Porém, vamos deixar esse assunto para outro momento, até porque o foco desse texto é a importância da resistência à insulina  independentemente de como ela surge  na eficácia de dietas restritas (ou não) em carboidratos.


Quando uma dieta low-carb é realmente eficaz?

A resposta, no geral, é simples: quando os participantes apresentam resistência à insulina. Os resultados são tão consistentes que chega a ser impressionante como essa questão nunca é mencionada na discussão sobre a efetividade de dietas low-carb, low-fat e afins.

Então vamos aos estudos.

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Ainda em 2002, Torbay e colaboradores compararam uma dieta low-carb a uma dieta convencional. As duas dietas apresentavam 30% das calorias na forma de gorduras, variando apenas no consumo dos dois outros macronutrientes: 58% carboidratos e 12% proteínas para o grupo controle, 25% carboidratos e 45% proteínas para o grupo low-carb. O melhor de tudo: os pesquisadores forneceram todos os alimentos a serem consumidos, providenciando dietas individualmente calculadas que continham calorias equivalentes a 80% do gasto energético de repouso de cada participante.

Após as quatro semanas de intervenção, foram esses os resultados:




Entre os indivíduos sem resistência à insulina, a perda de peso e de gordura corporal foi a mesma, independentemente da dieta. Para os participantes com resistência à insulina (hiperinsulinêmicos), porém, a perda de peso foi maior com a dieta low-carb rica em proteínas (HP), assim como a perda de gordura corporal também apresentou uma tendência de ser superior com esse padrão alimentar.

Sem contar a impressionante queda nos níveis de triglicerídeos dos pacientes hiperinsulinêmicos que consumiram a dieta low-carb: redução média de 110 mg/dL. (O objetivo principal do texto não é falar de outros parâmetros metabólicos, mas essa redução, em apenas quatro semanas, foi tão grande que merece ser destacada). Apesar de não ter sido estatisticamente diferente dos outros grupos, foi um resultado muito superior quando consideramos sua relevância clínica. E isso faz todo sentido, tendo em vista que os triglicerídeos são o marcador mais sensível da disfunção metabólica que é característica dos quadros de resistência à insulina; por isso, ele normalmente é o parâmetro que responde mais rapidamente e de maneira mais expressiva.

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Alguns anos depois, Pittas e colaboradores utilizaram dietas similares e basicamente o mesmo desenho experimental em mais um controlled feeding trial. Homens e mulheres com sobrepeso, dos quais alguns apresentavam resistência à insulina e outros não, foram divididos em dois grupos: 1) controle, com 60% carboidratos, 20% proteínas e 20% gorduras; 2) low-carb (baixa carga glicêmica), com 40% carboidratos, 30% proteínas e 30% gorduras.

O estudo teve duração de 24 semanas, o que é muito bom para entendermos como essas dietas se comportam no médio prazo. Os resultados podem ser vistos no gráfico abaixo:




Infelizmente os autores não mediram gordura corporal, mas pode ser muito bem observado que a perda de peso, para os indivíduos com resistência à insulina (“High INS-30”), foi consideravelmente maior com a dieta low-carb (LG) em comparação à dieta controle (HG). Por outro lado, para os indivíduos com a sensibilidade à insulina normal, a perda de peso foi estatisticamente igual para as duas dietas  embora tenha sido um pouco maior para a dieta controle, em números absolutos.

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Mais ou menos na mesma época, Cornier e colaboradores publicaram o estudo com título mais enfático desses que estamos discutindo; em tradução livre: “A sensibilidade à insulina determina a efetividade da composição de macronutrientes na perda de peso de mulheres com obesidade".

Foram recrutadas 44 mulheres que apresentava obesidade, sedo que, mais uma vez, parte delas apresentava resistência à insulina. Assim como nos trabalhos citados acima, as participantes foram divididas em dois grupos: 1) controle, com 60% carboidratos e 20% gorduras; 2) low-carb, com 40% carboidratos e 40% gorduras. As duas dietas, além de apresentarem restrição energética de 400 kcal/dia, foram equiparadas em 20% das calorias na forma de proteínas. Novamente, todos os alimentos foram providenciados às participantes desse estudo.

Depois de 16 semanas de acompanhamento:




Nota-se que a perda de peso, para as mulheres com resistência à insulina (IR), foi evidentemente maior com a dieta low-carb (LC/HF). Porém, diferentemente do observado nos estudos anteriores, as participantes sem alterações na sensibilidade à insulina (IS) tiveram melhores resultados com a dieta rica em carboidratos (HC/LF).

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Nesse ano de 2016, foi publicado um novo estudo por Christopher Gardner e colaboradores, um dos principais grupos de pesquisa de intervenções nutricionais atualmente. O trabalho causou um pouco de incômodo nas comunidades low-carb que habitam as redes sociais, porque, ao contrário dos estudos citados acima, não foi demonstrada uma vantagem para a dieta low-carb na perda de peso.

Nesse estudo, os pesquisadores fizeram basicamente a mesma coisa dos demais trabalhos: recrutaram 61 indivíduos com sobrepeso ou obesidade e dividiram essas pessoas em um grupo low-carb e um grupo low-fat. Ambas as dietas foram bem restritivas: no grupo low-carb a ingestão inicial foi de apenas 20 g/dia de carboidratos, e no grupo low-fat de apenas 20 g/dia de gorduras. Com o tempo, os participantes podiam aumentar gradualmente essas quantidades.

O mais legal desse estudo é que ele deu um foco muito grande na qualidade da alimentação, para ambos os grupos. Conceitos como “comida de verdade”, “minimamente processado”, “da estação” e “orgânico” foram ensinados e reforçados ao longo da intervenção, para que todos os participantes pudessem fazer com que suas dietas fossem além da simples composição de macronutrientes. Além disso, eles foram orientados a fazerem as próprias escolhas alimentares, a prepararem os próprios alimentos em casa e a lerem rótulos nutricionais.

Apesar de ter sido o estudo com dietas mais “extremas”, os resultados sugerem que não houve diferença significativa entre os grupos, nem em relação às dietas e nem em relação ao grau de resistência à insulina dos participantes:




O que podemos dizer, forçando um pouco a barra, é que houve uma tendência da dieta low-carb ter sido um pouco mais eficaz para as pessoas com resistência à insulina. Porém, mesmo assim, a tendência de mais destaque seria da dieta low-fat, com maior quantidade de carboidratos, levar uma possível redução de peso mais significativa nos indivíduos que não apresentavam resistência à insulina  o que estaria de acordo com o que foi observado no estudo de Cornier et al. (2005), logo acima.

Foi justamente esse último resultado que causou um nó na cabeça de muitas pessoas defensoras das dietas low-carb. Afinal, como conciliar o fato de uma dieta low-fat, rica em carboidratos, talvez levar a uma maior perda de peso nesses indivíduos? O resultado não foi estatisticamente significativo, mas só de haver a possibilidade de tendência...

De qualquer maneira, acredito ser interessante tentarmos entender por que esse estudo de Gardner et al. (2016), ao contrário do que aconteceu com os outros estudos mencionados, não mostrou uma maior eficácia das dietas low-carb para os indivíduos com resistência à insulina (ou uma efetividade realmente evidente da dieta low-fat para as pessoas com sensibilidade normal à insulina). Acredito que são pelo menos dois possíveis motivos:

1) Se a qualidade nutricional for um fator tão importante como normalmente afirmamos (e provavelmente é), é possível que ênfase a esse fator, durante a intervenção, tenha minimizado os possíveis efeitos mais pronunciados que a dieta low-carb poderia proporcionar às pessoas com resistência à insulina, assim como uma possível vantagem da dieta low-fat nas pessoas com sensibilidade à insulina normal.

2) Além disso, o grau de resistência à insulina dos participantes dessa pesquisa não foi tão elevado quanto dos outros estudos citados acima. E isso pode ser crucial, porque, na prática, os participantes classificados como “resistentes à insulina” não eram tão diferentes, do ponto de vista metabólico, daqueles que foram classificados como “sensíveis à insulina”. Assim, a chance de essas dietas modularem positivamente a perda de peso, de acordo com o grau de resistência à insulina, teoricamente é bem menor.

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O estudo mais recente foi publicado no fim desse ano de 2016 por Rock e colaboradores. Foi o segundo trabalho mais prolongado (o mais prolongado está descrito mais abaixo), com duração de 12 meses. Nele, os participantes foram divididos em três grupos: 1) low-fat, com 20% de gorduras e 65% carboidratos; 2) low-carb, com 35% gorduras e 45% carboidratos; 3) low-carb + nozes, igual ao grupo low-carb, mas com uma porção de nozes.

Considerando apenas os dois primeiros grupos, que são o verdadeiro foco da nossa discussão, foi verificado que, para os indivíduos com resistência à insulina, a perda de peso foi exatamente a mesma com as duas dietas. A não superioridade da dieta low-carb nesse caso pode ter sido decorrente do fato de que essa dieta não foi low-carb "de verdade"; alguns órgãos, como o IOM (responsável pelas DRIs), consideram 45% das calorias na forma de carboidratos como o limite inferior das quantidades "ideais" a serem consumidos. Além disso, para ser justo com os autores do estudo, é preciso mencionar que eles não usaram o termo "low-carb" para essa dieta, e sim o termo "lower-carb". Ou seja, foi uma dieta "mais baixa em carboidratos", e não necessariamente "restrita em carboidratos".




Apesar disso, o resultado mais interessante nem foi esse. De forma semelhante ao observado no estudo de Cornier et al. (2005), os participantes que apresentavam sensibilidade normal à insulina perderam mais peso com a dieta rica carboidratos  redução de 7,5 kg na dieta low-fat contra 4,3 kg na dieta low-carb.

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Só para reforçar: esses não são os únicos estudos a demonstrarem que uma dieta low-carb tende a ser mais eficaz especificamente para pessoas com resistência à insulina.

Assim como detalhado no último texto, sobre a possível vantagem metabólica das dietas low-carb, o estudo de Gower & Goss, publicado em 2015, evidencia ainda mais o benefício da restrição de carboidratos em estados de resistência à insulina.

Nessa pesquisa, participantes com sobrepeso e obesidade apresentaram uma perda maior de gordura intra-abdominal (na fase de manutenção de peso) e também maior perda de gordura corporal (no período hipocalórico) com a dieta low-carb do estudo:




Além disso, um resultado que omiti no texto anterior foi o efeito das dietas sobre o emagrecimento dos diferentes grupos étnicos que participaram do estudo. Os norte-americanos de descendência africana (AA), em comparação aos de descendência europeia (EA), apresentavam um grau de resistência à insulina (AIR) consideravelmente maior:




Para os indivíduos de descendência europeia (EA), a perda de gordura corporal foi basicamente a mesma com a dieta low-carb ou com a dieta low-fat. Porém, para as pessoas com descendência africana (AA), o emagrecimento foi o dobro com a dieta low-carb:



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Bem antes, mais precisamente em 2007, no estudo mais prolongado que temos a explorar essa hipótese da influência da resistência à insulina sobre a perda de peso, Ebbeling e colaboradores demonstraram mais uma vez que, para as pessoas com sensibilidade à insulina preservada, não fez diferença consumir uma dieta com mais (55% das calorias) ou menos (40% das calorias) carboidratos:




Porém, como tem sido demonstrado consistentemente de estudo para estudo, eles também verificaram que os participantes com resistência à insulina apresentam maior perda de peso ao seguirem uma dieta low-carb:




Em ensaios clínicos randomizados controlados, resultados muito semelhantes para perda de peso e gordura corporal já foram encontrados também nos estudos de Kreider et al. (2011) e Le et al. (2016). Além disso, em um estudo de intervenção sem grupo controle, Dashiti et al. (2007) também demonstraram que a perda de peso é favorecida em pessoas com resistência à insulina que seguem uma dieta low-carb, quando comparada a pessoas com sensibilidade normal à insulina.

Contudo, em todos esses estudos, mesmo naqueles em que os pesquisadores forneceram todos os alimentos a serem consumidos, os participantes com sensibilidade normal à insulina não foram em nenhum momento mais favorecidos pelas dietas low-carb do que pelas dietas que continham maior quantidade de carboidratos.


Considerações finais

Para começar a fechar esse assunto, a primeira coisa que deve ser mencionada é que a possível vantagem metabólica das dietas low-carb, caso realmente exista, talvez seja evidente apenas para indivíduos que apresentam resistência à insulina. Prestando um pouco mais de atenção ao meu último texto sobre o tema, é possível notar que, entre os estudos sem grandes limitações técnicas, aqueles que tiveram participantes com quadro manifesto de resistência à insulina – Baba et al. (1999), Layman et al. (2003) e Gower & Goss (2015)  foram justamente os que apresentaram evidências mais claras da possibilidade de vantagem metabólica para as dietas low-carb no emagrecimento.

Fora isso, olhando para as evidências discutidas no presente texto, tudo indica que a presença ou não de resistência à insulina é um fator muito importante  senão o mais importante  para entendermos o impacto de diferentes dietas, com composições nutricionais distintas, sobre o emagrecimento.

Isso ajuda a explicar, também, porque não existe uma uniformidade tão grande quanto poderia haver para as dietas low-carb no emagrecimento, ou seja, nos faz entender por que diferentes estudos mostram resultados um pouco conflitantes quando comparam dietas com composições nutricionais distintas. Enquanto diversos trabalhos individualmente mostram maior perda de peso para as dietas low-carb, vários outros mostram efeitos exatamente iguais aos de dietas com maior quantidade de carboidratos. Em todos esses estudos, é muito grande a chance de o grau de resistência à insulina dos participantes ser um fator imprescindível para a maior eficácia ou não da restrição de carboidratos. Os estudos com resultados mais positivos para as dietas low-carb provavelmente tiveram indivíduos com resistência à insulina, síndrome do ovário policístico, síndrome metabólica ou diabetes tipo 2; resultados iguais ou até inferiores ao das dietas convencionais, por outro lado, muito possivelmente foram de trabalhos com participantes que apresentavam sensibilidade normal (ou quase normal) à insulina.

É claro que esse fator da resistência à insulina, sozinho, nem sempre será necessário, ou suficiente, para determinar uma maior ou menor perda de peso. Por exemplo, um estudo com dieta low-carb pode levar a um maior emagrecimento, mesmo em pacientes com sensibilidade normal à insulina, desde que essa intervenção nutricional induza uma menor sensação de fome ou uma maior sensação de saciedade, consequentemente levando a uma menor ingestão energética. Considerando que esses exemplos são efeitos relativamente comuns das dietas low-carb, é certeza que podemos encontrar diversos trabalhos científicos em que as vantagens das dietas low-carb foram decorrentes da menor ingestão calórica induzida pela redução da fome ou pelo aumento da saciedade.

De qualquer maneira, mesmo com o consumo de calorias exatamente igual, como evidenciado pelos estudos de Torbay et al. (2002), Pittas et al. (2006) e Gower & Goss (2015) mencionados nesse texto, as dietas low-carb, sejam com uma restrição grande ou modesta de carboidratos, se mostraram mais eficazes para a perda de peso  e em participantes com diversos perfis: homens, mulheres, sobrepeso, obesidade, síndrome do ovário policístico. Repetindo: a vantagem metabólica discutida anteriormente é bem mais clara quando consideramos indivíduos com o quadro de resistência à insulina.

É por isso, inclusive, que grande parte dos estudos de intervenção que comparam dietas com composições nutricionais diferentes também tendem a mostrar uma maior perda de peso quando os participantes consomem dietas low-carb: os participantes desses estudos invariavelmente apresentam sobrepeso ou obesidade, que normalmente estão acompanhados do quadro de resistência à insulina.

Além disso, considerando que uma parcela muito grande das pessoas no mundo, inclusive mais da metade da população brasileira, apresenta excesso de peso, e que o acúmulo de gordura corporal (principalmente abdominal) está diretamente relacionado ao desenvolvimento da resistência à insulina, temos mais um grande motivo para colocarmos as dietas low-carb como uma das primeiras estratégias quando o assunto é emagrecimento e disfunções metabólicas. Não só por influenciar positivamente a fome e a saciedade, as dietas low-carb parecem realmente possuir um efeito direto no emagrecimento, principalmente para aquelas pessoas que mais podem se beneficiar: com maior excesso de peso e maior risco cardiometabólico.

Não há dúvidas que as dietas low-carb são eficazes, e tudo indica que são ainda mais benéficas para pessoas com resistência à insulina. Porém, gostaria de lançar a seguinte questão: será que as pessoas sem resistência à insulina deveriam utilizar uma dieta low-carb como abordagem inicial quando o objetivo é o emagrecimento? Pergunto isso porque, apesar de as dietas low-carb serem melhores para indivíduos com resistência à insulina, não há evidências suficientes para afirmar o mesmo para as pessoas sem esse quadro. Não só isso, os estudos de Pittas et al. (2006), Gardner et al. (2016) e, principalmente, Cornier et al. (2005) e Rock et al. (2016) sugerem que, para indivíduos que não possuem elevado grau de resistência à insulina, é possível que dietas com maior quantidade de carboidratos sejam mais eficazes para o emagrecimento.

No nível coletivo, podemos afirmar com segurança que, dadas as evidências consistentes que temos, as dietas low-carb normalmente vão ser mais vantajosas, principalmente considerando a elevada prevalência do quadro de resistência à insulina no mundo. No nível individual, porém, vale sempre lembrar: as particularidades de cada caso devem sempre ser respeitadas. Podemos usar a ciência para nos ajudar a definir as melhores estratégias, mas sempre levando em consideração o que se aplica melhor a cada pessoa.