A questão de ser ou não desejável, ou até mesmo ideal, manter uma restrição calórica por períodos prolongados de tempo é um tópico importante. Sem dúvidas. Porém, não é o objetivo de discussão desse texto.
De qualquer maneira, não é segredo para ninguém que a redução no consumo energético induz a perda de peso. Não só isso, a menor ingestão de calorias é, a princípio, o principal determinante do emagrecimento*. Sendo assim, usar a restrição calórica como base ou ponto inicial quando o objetivo é a perda de gordura corporal é uma estratégia que faz sentido.
*Perda de peso e emagrecimento, apesar de não serem sinônimos, foram usados como termos equivalentes nesse texto (exceto no detalhamento dos estudos científicos). Afinal, o objetivo das pessoas em geral, quando dizem que querem perder peso, é a redução na gordura corporal (emagrecimento).
De qualquer maneira, não é segredo para ninguém que a redução no consumo energético induz a perda de peso. Não só isso, a menor ingestão de calorias é, a princípio, o principal determinante do emagrecimento*. Sendo assim, usar a restrição calórica como base ou ponto inicial quando o objetivo é a perda de gordura corporal é uma estratégia que faz sentido.
*Perda de peso e emagrecimento, apesar de não serem sinônimos, foram usados como termos equivalentes nesse texto (exceto no detalhamento dos estudos científicos). Afinal, o objetivo das pessoas em geral, quando dizem que querem perder peso, é a redução na gordura corporal (emagrecimento).
No entanto, como nossos
corpos não são máquinas perfeitas, especialmente no sentido de calcular e
aproveitar todas as calorias — de todos os alimentos — de forma exatamente
igual, fica a pergunta: se mantivermos constantes as calorias de uma dieta, até
que ponto diferentes composições de macronutrientes (carboidratos, proteínas e
gorduras) influenciam a perda de peso?
Essa é uma pergunta
interessante porque grande parte do crescimento das dietas low-carb como
estratégia eficaz para a perda de peso, por exemplo, se deve à ideia de que,
mesmo com uma quantidade de calorias igual, elas apresentam uma vantagem
metabólica em relação a dietas com maior quantidade de carboidratos. Em
outras palavras, dada uma ingestão energética específica, é dito que as dietas
low-carb levam a um maior emagrecimento.
Mas será que isso
acontece mesmo? Se sim, será que a suposta vantagem metabólica é decorrente
simplesmente da redução no consumo de carboidratos, independentemente de se
aumentar a ingestão de proteínas ou gorduras? Ou será que consumir mais
proteínas, ou mais gorduras, no lugar dos carboidratos é o que faria diferença?
Como testar essa hipótese?
Teoricamente, essa é uma
hipótese fácil de ser testada. Basta recrutar alguns participantes, montar
(pelo menos) duas dietas que diferem no teor de carboidratos e fazer com que as
pessoas consumam quantidades pré-determinadas de alimentos e calorias, a serem
definidas de acordo com a composição de cada dieta do estudo.
A maioria dos estudos de
intervenções nutricionais com dietas, comparando, por exemplo, uma dieta
low-carb a uma dieta low-fat, se baseia em orientações nutricionais. Os
participantes normalmente se consultam com um nutricionista, recebem um plano
alimentar e são orientados a como proceder com a dieta. Essa é uma boa maneira
de conduzir uma intervenção nutricional, principalmente porque reflete condições
do “mundo real”, em que os participantes adquirem o conhecimento e têm uma certa liberdade para aplicarem as orientações mais convenientemente.
Porém, não existe nenhuma
garantia de que, trabalhando dessa forma, os participantes vão consumir suas
dietas exatamente da forma como foi inicialmente planejado na
pesquisa. Se quisermos garantir que os participantes consumindo uma dieta
low-carb vão ingerir precisamente 80 g/dia de carboidratos, por exemplo, é
necessário que todos os alimentos que compõem a dieta sejam providenciados a
eles. Além disso, é fundamental que essas pessoas não ingiram nada
além do que é ofertado.
A esses estudos nos quais
a ingestão alimentar é rigorosamente calculada e controlada damos o nome de controlled
feeding trials. Diferentemente dos ensaios clínicos mais tradicionalmente utilizados em
estudos nutricionais, os controlled
feeding trials são excelentes em determinar os efeitos específicos das
intervenções — embora sejam um pouco mais “artificiais”, e por isso menos condizentes com situações reais do dia a dia.
Para que essas condições de
controle máximo sejam satisfeitas, o ideal é que os participantes fiquem internados
em uma enfermaria metabólica, como o que aconteceu nesse ou nesse estudo. Essa é a única forma de garantir
que os participantes consumam exatamente, e apenas, os alimentos oferecidos, uma vez
que eles não podem deixar a enfermaria metabólica e que alimentos de fora não
podem entrar no local. Além disso, como forma de assegurar ainda mais o
controle, durante as refeições os indivíduos podem ser vigiados pela equipe de
pesquisa.
Como os estudos com
enfermarias metabólicas são caros e bastante dispendiosos, o que os pesquisadores mais
fizeram ao longo dos anos, quando quiseram garantir um maior controle das dietas a serem testadas, foi providenciar todos os alimentos, de todas as
refeições, para os participantes, mas deixando-os “livres” para realizarem suas
atividades habituais. Ou seja, mesmo fazendo um ou outra refeição (às vezes todas as refeições), normalmente sob supervisão, nos centros de pesquisa, os participantes são liberados para realizarem todas as suas atividades habituais; as demais refeições, quando nem todas são feitas nos laboratórios, podem ser consumidas em casa (ou qualquer outro lugar), mas com os alimentos fornecidos pela equipe de pesquisa. Para determinar com maior precisão a adesão às
dietas, os pesquisadores normalmente pedem para que os participantes anotem o
que deixaram de comer e levem os alimentos não consumidos para os centros de
pesquisa, para que esse fator, caso necessário, possa ser considerado na análise dos resultados.
Esse método não é
perfeito, porque permite a possibilidade de qualquer voluntário ingerir alimentos
além daqueles que são providenciados. Porém, no geral, é o melhor que pode ser
feito, então temos que acreditar que os participantes, nesse tipo de estudo, consomem apenas aquilo que é ofertado. E, se confiamos nos pesquisadores quando eles publicam os
resultados de seus estudos, por que não confiaríamos nos participantes?
Com isso em mente, vamos
aos estudos.
Low-carb: vantagem metabólica ou não?
Para facilitar a
compreensão de cada estudo, vou sempre me referir à dieta com
mais carboidratos como dieta controle, e à dieta com menos
carboidratos como dieta experimental.
Além disso, como pode ser
imaginado a partir das explicações acima, é importante ficar claro que todos os
estudos comentados abaixo tentaram garantir, de uma forma ou de outra, que os
participantes receberam, e consumiram, apenas os alimentos ofertados pelos
pesquisadores.
***
Há mais de 20 anos, Piatti e colaboradores conduziram um estudo comparando duas dietas bem
hipocalóricas (800 kcal/dia) distintas. Para ser totalmente honesto, é
preciso deixar claro que os autores não afirmam no artigo que não houve
ingestão alimentar além das dietas providenciadas; porém, como as participantes
foram hospitalizadas para o estudo, como acontece numa enfermaria metabólica, é praticamente impossível que as dietas não estivessem sob controle total dos pesquisadores.
A primeira das dietas, a
dieta controle, foi composta por 60% carboidratos, 20% proteínas e 20%
gorduras. A segunda, por sua vez, por 35% carboidratos, 45% proteínas e 20%
gorduras. Como pode ser observado, os pesquisadores controlaram as dietas pelo
teor de gorduras, variando as concentrações de carboidratos e proteínas.
Portanto, a dieta experimental não foi low-carb/high-fat
(LCHF), que atualmente é a forma mais popular das dietas low-carb, mas sim uma
dieta low-carb rica em proteínas (LCHP).
Aqui estão os detalhes
sobre a composição das dietas:
Participaram desse estudo
25 mulheres com obesidade, com 15 delas no grupo controle e outras 10 no grupo
experimental (cinco delas, desse último grupo, não completaram o estudo).
Quando testadas pelo teste oral de tolerância à glicose, as participantes não
apresentaram alterações no grau de tolerância à glicose. A massa magra e a
gordura corporal foram avaliadas por dobras cutâneas.
A perda de peso total
para o grupo controle foi de 6,4 kg, enquanto que para o grupo experimental foi
de 4,5 kg, com uma diferença que não foi estatisticamente significativa — mas possivelmente
significativa do ponto de vista clínico. Mais importante: a perda de gordura
corporal foi exatamente a mesma entre os grupos: 3,3 kg para a dieta rica em
carboidratos (controle) e 3,2 kg para a dieta rica em proteínas (experimental).
Os dados podem ser vistos na tabela abaixo:
Porém, a aparente importância
da maior perda de peso total pelo grupo controle se perde por dois motivos.
Primeiro, a gordura corporal é um parâmetro muito mais relevante que o peso
total; quando observamos que a perda de gordura corporal foi a mesma entre os
grupos, como mencionado acima, a maior perda de peso com a dieta controle
torna-se irrelevante. Em segundo lugar, quando olhamos em detalhes para o que
aconteceu com a massa magra, verifica-se o seguinte: enquanto as três semanas
de dieta experimental levaram a uma redução de apenas 1,4 kg na massa magra
(sem significância estatística, mas provavelmente com relevância clínica), a
dieta controle resultou em uma perda de massa magra consideravelmente maior: 3,0 kg.
Boa parte da massa magra
perdida, principalmente no grupo controle, muito provavelmente foi decorrente
da perda de massa muscular. Isso fica mais evidente pelo fato de que, ao longo do
período do estudo, os indivíduos com a dieta controle estavam em balanço
nitrogenado negativo — ou seja, estavam utilizando e excretando mais
nitrogênio (proteínas) do que estavam ingerindo, absorvendo e incorporando em seus tecidos corporais.
***
Nosso segundo estudo,
publicado por Baba e colaboradores em 1999, comparou duas dietas
hipocalóricas, com ingestão energética correspondente a 80% do gasto energético
de repouso dos participantes, em 13 homens com obesidade.
Assim como no estudo
anterior, os pesquisadores trabalharam com o valor fixo de 30% das calorias na
forma de gorduras para ambos os grupos, que variaram, portanto, apenas nas
quantidades consumidas de carboidratos e proteínas. No grupo controle, a dieta
foi composta por 58% de carboidratos e 12% de proteínas; no grupo experimental,
as calorias da dieta foram provenientes de 25% de carboidratos e 45% de
proteínas. Mais uma vez, a dieta experimental foi reduzida em carboidratos e rica
em proteínas, mas com uma quantidade apenas razoável de gorduras.
Os participantes desse
estudo apresentavam resistência à insulina. As dietas foram seguidas por um
período de quatro semanas. A composição corporal foi medida por bioimpedância — que é um método que está longe de ser ótimo, mas em um estudo controlado pode ser confiável.
Ao final do
acompanhamento, a perda de peso foi maior no grupo experimental: 8,3 kg contra
6,0 kg no grupo controle:
Porém, a perda de gordura
corporal foi basicamente a mesma entre os grupos, com 7,1 kg para a dieta
experimental e 6,3 kg para a dieta controle (dados não contidos na tabela acima); não houve diferença estatística.
Além disso, apenas o grupo da dieta experimental, com mais proteínas no lugar
de carboidratos, perdeu água corporal durante a pesquisa (1,0 kg). Assim,
considerando os dados de peso, gordura corporal e água corporal, é possível
concluir que a perda de massa muscular foi praticamente zero para ambos os
grupos.
É possível que a discreta
vantagem na perda de gordura corporal, que não foi significativa, se tornasse
uma diferença mais considerável caso o estudo fosse mais prolongado ou contasse
com um número maior de participantes. Essa é uma suposição bastante plausível
não só pela já observada diferença absoluta de 0,8 kg a mais na perda de gordura
corporal para o grupo experimental, mas também pelo que ocorreu com o gasto
energético de repouso dos participantes. Enquanto a dieta experimental levou a
uma diminuição de apenas 132 kcal/dia, a dieta controle reduziu o gasto
energético de repouso em quase três vezes mais: 384 kcal/dia. Com o passar do
tempo, supõe-se que o maior gasto energético dos participantes no grupo
low-carb levaria um maior emagrecimento.
***
Em mais um estudo controlado pela quantidade de
gordura (~50 g/dia), 24 mulheres adultas foram divididas em dois grupos: 1)
dieta controle, com 58% carboidratos e 16% proteínas; 2) dieta experimental,
com 41% carboidratos e 30% proteínas.
É possível notar, a
partir dos dados acima, que as quantidades ingeridas de gorduras não foram
exatamente as mesmas (26% na dieta controle e 29% na dieta experimental). Além
disso, percebe-se que a quantidade energética média ingerida também não foi igual entre as dietas, com uma leve variação entre os indivíduos (vide o erro padrão
apresentado após o símbolo de “±”) em cada um dos grupos do estudo:
Entretanto, isso só
aconteceu porque a intervenção completa do estudo durou 10 semanas, com quatro
semanas estritamente controladas e seis semanas em que os participantes tiveram
maior liberdade para suas escolhas alimentares. Durante as quatro primeiras
semanas, todos os alimentos foram preparados, pesados e consumidos no
laboratório do centro de pesquisa. Esse é o período em que as dietas foram
realmente controladas, e é para ele que nossa atenção deve estar voltada.
Ao longo dessas quatro
semanas, não foi observada diferença significativa para a
perda de peso total entre os grupos, com 3,2 kg para a dieta controle e 4,0
para a dieta experimental. De forma semelhante, apesar de valores absolutos
mais favoráveis para perda de gordura corporal (3,1 kg x 2,6 kg) e perda de
massa magra (0,6 kg x 1,0 kg) com a dieta com menos carboidratos e mais
proteínas, não houve significância estatística. A composição corporal foi
avaliada por DXA, um dos métodos padrão-ouro para
essa finalidade.
Mas os pesquisadores foram
além e calcularam também a razão entre a perda de gordura corporal e a perda de massa
magra. Considerando essa variável, foi verificado que, após as quatro semanas
das dietas, a proporção de gordura corporal perdida em relação à massa magra
perdida foi significativamente maior no grupo experimental:
***
Em 2009, Bradley e colaboradores fizeram um pouco diferente: mantiveram constante a quantidade
de proteínas e variaram as concentrações de gorduras e carboidratos nas dietas
que foram testadas no estudo.
Vinte e quatro
indivíduos, com sobrepeso ou obesidade, com parâmetros metabólicos
relativamente dentro da normalidade, foram divididos em dois grupos: 1)
controle, com dieta low-fat (60% carboidratos, 20% gorduras); 2) experimental,
com dieta low-carb (20% carboidratos, 60% gorduras).
As dietas foram
calculadas, individualmente, para que cada participante tivesse uma redução de
500 kcal/dia em relação às suas necessidades energéticas. E, além de serem
equivalentes no teor de proteínas, as dietas também forneceram a mesma
quantidade diária de fibras alimentares (18 g/dia).
Após oito semanas de
acompanhamento, os resultados para composição corporal, que foi aferida por
DXA, foram os seguintes:
Comparando o grupo
controle ao grupo experimental, peso total (6,5 kg x 7,4 kg), gordura corporal
(3,8 kg x 3,9 kg) e massa magra (1,7 kg x 2,8 kg) foram igualmente reduzidos
com as intervenções, sem diferenças estatísticas.
Vale sempre lembrar que, ao seguir uma dieta com restrição de carboidratos, existe uma tendência de maior redução na água corporal, o que normalmente explica os valores um pouco mais elevados de perda de massa magra (cuja composição inclui água corporal e outros tecidos, e não apenas massa muscular) para os grupos que consomem dietas low-carb. Quando isso não acontece, ou seja, quando o grupo low-carb demonstra uma perda de massa magra igual ou inferior ao grupo controle, são grandes as chances da perda de gordura corporal ter sido superior com a dieta restrita em carboidratos.
Vale sempre lembrar que, ao seguir uma dieta com restrição de carboidratos, existe uma tendência de maior redução na água corporal, o que normalmente explica os valores um pouco mais elevados de perda de massa magra (cuja composição inclui água corporal e outros tecidos, e não apenas massa muscular) para os grupos que consomem dietas low-carb. Quando isso não acontece, ou seja, quando o grupo low-carb demonstra uma perda de massa magra igual ou inferior ao grupo controle, são grandes as chances da perda de gordura corporal ter sido superior com a dieta restrita em carboidratos.
***
O segundo trabalho mais recente foi publicado em 2015, e foi
dividido em dois estudos diferentes.
O primeiro deles foi feito com
69 mulheres e homens com sobrepeso ou obesidade, que foram divididos em dois
grupos: 1) controle, com 55% de carboidratos e 27% de gorduras; 2)
experimental, com 43% de carboidratos e 39% de gorduras. Ambas as dietas
apresentaram 18% das calorias na forma de proteínas.
Os participantes foram
acompanhados por duas fases de oito semanas. Na primeira, as dietas foram
calculadas para manutenção de peso, e por isso foi avaliada apenas o nível de
gordura intra-abdominal. Na segunda
fase, porém, as dietas foram hipocalóricas (redução de 1000 kcal/dia), e nela
os pesquisadores mediram a perda de gordura corporal.
Os resultados:
A figura A mostra os
níveis de gordura intra-abdominal, que apresentaram diminuição de 11% no grupo
experimental; o grupo controle basicamente não apresentou alterações. De
maneira semelhante, como demonstrado na figura B, a dieta low-carb levou a uma
redução mais significativa na gordura corporal do que a dieta low-fat,
aproximadamente 3,9 kg x 2,5 kg (não é possível saber ao certo porque os valores
absolutos não foram informados no trabalho).
O segundo estudo foi
feito com 30 mulheres que apresentavam síndrome do ovário policístico. Além de
ser um ensaio clínico controlado, foi também cruzado (use o Ctrl+F para buscar o termo
“cruzado” nesse link), o que significa que todas as mulheres participaram dos
dois grupos do estudo, tornando ainda mais relevantes os resultados do trabalho — ao participarem dos dois grupos, cada voluntário funciona como seu próprio
controle.
De forma semelhante ao
primeiro estudo desse artigo publicado por Gower & Goss, foram dois grupos
nesse segundo: 1) controle (low-fat), com 55% de carboidratos, 27% de gorduras
e 18% de proteínas; 2) experimental (low-carb), com 41% de carboidratos, 40% de
gorduras e 19% de proteínas. A diferença de apenas 1% nas calorias provenientes
das proteínas certamente não atrapalha a nossa análise dos resultados.
As dietas foram
normocalóricas, ou seja, calculadas para fornecerem calorias suficientes para a
manutenção de peso. No entanto, mesmo assim as mulheres perderam gordura
corporal com as duas dietas do estudo, sendo praticamente o dobro com a
dieta low-carb quando comparada à dieta low-fat:
Além disso, a diminuição
na área de gordura intra-abdominal foi quase três vezes superior durante a fase
low-carb em relação à fase low-fat:
E, apesar de ter ocorrido
uma perda de massa magra que foi estatisticamente significativa apenas no
grupo controle, não houve diferença clinicamente relevante entre os grupos:
***
Agora em outubro de 2016 foi publicado o último trabalho contemplando nosso tópico de discussão. Mais uma vez, os pesquisadores controlaram o estudo pela quantidade de gordura (30% do total de calorias) nas dietas que foram testadas.
Por seis meses, 24 homens e mulheres com pré-diabetes seguiram duas dietas diferentes: 1) moderadamente restrita em carboidratos (40% das calorias) e rica em proteínas (30% das calorias); ou 2) rica em carboidratos (55% das calorias) e moderada em proteínas (15% das calorias).
Após o período de acompanhamento, foi verificado que a perda de peso foi estatisticamente igual entre os grupos. No entanto, enquanto o grupo que consumiu a dieta rica em carboidratos apresentou perda significativa de massa magra e de gordura corporal, o grupo com a dieta low-carb rica em proteínas apresentou não somente diminuição na massa gorda, mas também aumento significativo na massa magra:
E mais um detalhe interessante: 100% dos participantes que consumiram a dieta low-carb rica em proteínas entraram em remissão do pré-diabetes (contra 33% do grupo controle). Essa conclusão foi possível devido à normalização de parâmetros que medem o grau de resistência à insulina ou tolerância à glicose dos participantes, como glicemia de jejum, hemoglobina glicada, teste oral de tolerância à glicose, HOMA-IR e índice de Matsuda — que foram todos avaliados nesse estudo.
Menções honrosas
Há mais de 40 anos,
Charlotte Young e colaboradores publicaram um estudo pioneiro que testou o
efeito da ingestão de diferentes quantidades de carboidratos sobre a perda de
peso e de gordura corporal em homens com obesidade. Não houve nada de errado
com o desenho ou com os métodos do estudo; a única verdadeira limitação, e por
isso seu lugar nas menções honrosas, se deve ao fato de a pesquisa ter tido uma
amostra muito pequena.
No total, foram apenas
oito homens, divididos em três grupos, que participaram do estudo. Assim, o
tamanho da amostra acaba por talvez não permitir afirmar que os resultados
verificados necessariamente se aplicam para a população em geral.
Depois de três semanas de
aclimatação, com uma dieta para manutenção de peso, os indivíduos foram
alocados nos três grupos diferentes: A) 104 g/dia de carboidratos; B) 60 g/dia
de carboidratos; C) 30 g/dia de carboidratos. Todas as dietas foram calculadas
para fornecer 1800 kcal/dia, assim como para conter a mesma quantidade de
proteínas (115 g/dia). Portanto, apenas as quantidades de carboidratos e
gorduras variaram entre os grupos.
Aqui estão as dietas em
mais detalhes:
A composição corporal foi
determinada por pesagem hidrostática e dobras cutâneas.
Após as nove semanas de
acompanhamento, verificou-se que, quanto maior foi a redução de carboidratos na
dieta, maior foi a média de perda de peso — ou seja, mais pronunciada no grupo C (16,2
kg), com a maior restrição de carboidratos, quando comparado aos grupos A (11,9
kg) e B (12,8 kg).
Além disso, o efeito
sobre a gordura corporal também foi dependente da quantidade de carboidratos na
dieta; novamente, o grupo C (14,9 kg) apresentou uma média de redução superior
aos grupos A (8,4 kg) e B (10,2 kg). E não foi só isso: enquanto a perda de
gordura corporal para os grupos A e B representou, respectivamente, 75,3% e
84,1% da perda de peso total, o grupo C teve 95,1% de perda de peso na forma de
gordura corporal. Esses resultados são confirmados, ainda, pela maior redução
nas dobras cutâneas e nas circunferências apresentadas pelo grupo C em relação
aos outros dois grupos.
Vale ressaltar que as
medidas de gordura corporal foram realizadas antes do término do estudo. Por
isso, é possível perceber que os dados de perda de peso contidos na tabela 7 do
estudo (imediatamente acima), que é a tabela de dados sobre gordura corporal,
são diferentes dos apresentados na tabela exclusiva para o peso (tabela 4 do
estudo, mais acima).
Não houve diferenças
significativas em relação ao balanço nitrogenado, o que sugere que a perda de massa muscular não foi diferente entre os grupos. Porém, ao olharmos para os valores absolutos de perda de massa magra, porque com os dados disponíveis não é possível saber exatamente o que ocorreu com a massa muscular, o grupo C (0,7 kg) parece ter se saído melhor do que os demais (2,8 kg e 2,1 kg; A e B, respectivamente); o que faz sentido, tendo em vista que o grupo A, em relação ao seu peso total, teve uma redução de gordura corporal bem mais significativa (95,1% do peso). Nesse caso, um tempo de acompanhamento mais prolongado e, principalmente, uma amostra maior poderiam ter levado a uma diferença significativa para esse parâmetro.
Por fim, outro ponto importante a ser mencionado nesse estudo é que a ausência de informação acerca dos participantes terem ou não resistência à insulina é um fator limitante da possível generalização dos resultados para qualquer pessoa que tenha o objetivo de emagrecimento. Mesmo assim, considerando que os participantes apresentavam obesidade, é bem possível que eles também tinham certo grau de resistência à insulina.
Por fim, outro ponto importante a ser mencionado nesse estudo é que a ausência de informação acerca dos participantes terem ou não resistência à insulina é um fator limitante da possível generalização dos resultados para qualquer pessoa que tenha o objetivo de emagrecimento. Mesmo assim, considerando que os participantes apresentavam obesidade, é bem possível que eles também tinham certo grau de resistência à insulina.
***
O estudo de Kekwick & Pawan, publicado em 1956, é o mais
impressionante quando olhamos friamente apenas para as variações de peso que
ocorreram. Só para exemplificar, veja só o que aconteceu com o peso dos
participantes quando eles foram colocados em dietas contendo 90% das calorias
fornecidas como: carboidratos (primeiro conjunto de gráficos), proteínas
(segundo conjunto de gráficos) ou gorduras (terceiro conjunto de gráficos):
É evidente que a perda de
peso total foi claramente maior durante o período em que os voluntários
consumiram 90% das 1000 kcal diárias na forma de gorduras. Porém, existem
alguns pontos desse estudo — como a ausência de período de washout (use o Ctrl+F para buscar o termo
“washout” nesse link) no cruzamento entre os grupos, a não aferição da gordura
corporal e a omissão sobre o grau de resistência à insulina dos participantes — que fazem com que ele não seja o estudo ideal para discutirmos a existência
ou não da vantagem metabólica das dietas low-carb.
Além disso, quatro anos
depois, ao replicarem os procedimentos experimentais do estudo de Kekwick &
Pawan, o trabalho de Pilkington e colaboradores não chegaram aos mesmos resultados obtidos anteriormente. O que eles
verificaram foi que, independentemente da composição das dietas — embora eles
não tenham testado uma dieta extremamente rica em proteínas, como fizeram com
dietas muito ricas em gorduras e carboidratos —, a perda de peso dependeu essencialmente
da restrição calórica. Vale ressaltar que esse segundo estudo de 1960 também teve suas
limitações, e por isso a discussão não pode ser fechada por nenhum dos dois
trabalhos.
***
Um pouco mais recentemente, em 1992, Leibel e colaboradores analisaram os efeitos de dietas de manutenção de peso com variações consideráveis nas quantidades de carboidratos e gorduras. Três dietas foram testadas com 13 voluntários adultos: baixo carboidratos (15% kcal), moderado carboidratos (40% ou 45% kcal) ou alto carboidrato (75%, 80% ou 80% kcal); todas as dietas tinham 15% das calorias na forma de proteínas, variando apenas em carboidratos e gorduras. Cada participante recebeu duas das três dietas, que consumidas por períodos que variaram de 15 a 56 dias (média de 33 dias).
Apesar de nem todos os participantes receberem exatamente as mesmas dietas, em termos de percentual das calorias na forma de carboidratos e gorduras, todos eles permaneceram em enfermaria metabólica ao longo de toda a duração do experimento — e por isso receberam dietas estritamente controladas. No fim, o que os pesquisadores verificaram é que a quantidade de calorias necessárias para a manutenção de peso foi exatamente a mesma, independentemente se a dieta tinha 15% ou 45% ou até 85% das calorias na forma de carboidratos; na verdade, em números absolutos, a maior parte dos indivíduos ingeriu um pouco mais de calorias (bem pouco mesmo) para que houvesse manutenção de peso.
Além disso, os pesquisadores testaram em crianças basicamente as mesmas variações de carboidratos e gorduras nas dietas. E os resultados foram os mesmos: as calorias necessárias para manutenção de peso foram iguais independentemente da alta ou da baixa quantidade de carboidratos nas dietas.
***
***
Um pouco mais recentemente, em 1992, Leibel e colaboradores analisaram os efeitos de dietas de manutenção de peso com variações consideráveis nas quantidades de carboidratos e gorduras. Três dietas foram testadas com 13 voluntários adultos: baixo carboidratos (15% kcal), moderado carboidratos (40% ou 45% kcal) ou alto carboidrato (75%, 80% ou 80% kcal); todas as dietas tinham 15% das calorias na forma de proteínas, variando apenas em carboidratos e gorduras. Cada participante recebeu duas das três dietas, que consumidas por períodos que variaram de 15 a 56 dias (média de 33 dias).
Apesar de nem todos os participantes receberem exatamente as mesmas dietas, em termos de percentual das calorias na forma de carboidratos e gorduras, todos eles permaneceram em enfermaria metabólica ao longo de toda a duração do experimento — e por isso receberam dietas estritamente controladas. No fim, o que os pesquisadores verificaram é que a quantidade de calorias necessárias para a manutenção de peso foi exatamente a mesma, independentemente se a dieta tinha 15% ou 45% ou até 85% das calorias na forma de carboidratos; na verdade, em números absolutos, a maior parte dos indivíduos ingeriu um pouco mais de calorias (bem pouco mesmo) para que houvesse manutenção de peso.
Além disso, os pesquisadores testaram em crianças basicamente as mesmas variações de carboidratos e gorduras nas dietas. E os resultados foram os mesmos: as calorias necessárias para manutenção de peso foram iguais independentemente da alta ou da baixa quantidade de carboidratos nas dietas.
***
Mesmo com algumas
limitações, essas três menções, dos estudos de Young et al. (1971), Kekwick
& Pawan (1956) e Leibel et al. (1992), merecem ser levadas em consideração se queremos chegar a
uma conclusão acerca da existência ou não da vantagem metabólica das dietas
low-carb.
Porém, além delas,
acredito que outros dois trabalhos também devem ser comentados. Não pelo fato
de eles terem um peso importante — porque eles não têm —, mas para entendermos
um pouco mais os motivos pelos quais nem todos os estudos possuem a mesma
relevância quando queremos explorar em mais detalhes um tópico específico, que
é exatamente o que estamos fazendo aqui.
O estudo de Rock e colaboradores foi o único (até onde minhas buscas
encontraram) a avaliar o efeito de duas dietas estritamente controladas, com variações
na quantidade carboidratos, em pessoas com diabetes tipo 2. Porém, o trabalho
teve uma série de limitações importantes.
Primeiro, foram usadas
dietas que diferiram em todos os macronutrientes. Diferentemente dos estudos
citados acima, os pesquisadores não fixaram um dos macronutrientes — proteína,
por exemplo — para comparar dietas que variavam apenas em carboidratos e
gorduras; ou que variavam somente em carboidratos e proteínas, caso a gordura
fosse a mesma entre as dietas. Essa é uma importante limitação porque se a
dieta low-carb, por exemplo, viesse a apresentar resultados mais positivos, não
seria possível saber se o efeito seria decorrente da menor ingestão de
carboidratos ou do maior consumo de proteínas.
Além disso, os
pesquisadores utilizaram um tipo de análise de dados denominada intenção
de tratar para avaliar os resultados. O detalhe é que, com esse método,
todos os participantes — mesmo aqueles que não cumpriram o protocolo da
maneira esperada, e até mesmo aqueles que não completaram o estudo — são
contemplados na análise final. Com isso, no caso de estudos envolvendo dietas,
os resultados finais ficam “contaminados” com os dados dos participantes que
não seguiram exatamente as dietas prescritas.
E não é isso que
queremos. Na verdade, queremos saber exatamente o oposto: o efeito específico
de cada uma das dietas que foram testadas. É justamente por isso que estamos discutindo
apenas trabalhos em que os pesquisadores forneceram todos os alimentos aos
voluntários e que, por isso, as dietas foram estritamente controladas. Não há nada de errado em usar uma análise por intenção de tratar,
nem mesmo nesse estudo específico. Porém, considerando o objetivo da nossa
discussão, ter um estudo que avaliou os resultados por intenção de tratar não é
nem um pouco desejável para avaliar a possibilidade de existência da vantagem metabólica de dietas low-carb.
Por fim, esse estudo com
diabéticos foi financiado por uma empresa que comercializa refeições prontas,
principalmente de baixa caloria e com o objetivo de perda de peso. Ela forneceu
todas as refeições, além de materiais e atividades para os participantes. Não
só isso, a empresa ainda participou da elaboração do desenho experimental e do
protocolo geral do trabalho — o que é bem incomum e intrigrante, tendo em vista que as
empresas com conflitos de interesses normalmente fazem questão de se abster de tudo que envolve
a parte técnica dos estudos, incluindo a concepção da pesquisa e a análise dos
dados, justamente para que as críticas sobre os potenciais conflitos de interesses sejam minimizadas.
O conflito de interesses,
nesse caso, só não é maior porque o objetivo da empresa era mostrar que as duas
dietas, low-fat (LF) e low-carb (LC), eram eficazes — claro, ela comercializa os dois tipos de dieta. Nesse estudo, as duas dietas foram
comparadas ao tratamento padrão (UC) para diabéticos, que normalmente consiste
apenas em orientações periódicos sobre como seguir uma dieta “saudável” para o
controle da patologia.
Para os curiosos,
aparentemente não houve diferença na perda de peso entre os grupos LF e LC; gordura
corporal e massa magra não foram avaliadas; a redução na circunferência da
cintura foi, em números absolutos, maior no grupo LC (9,5 cm contra 7,2 cm no
grupo LF). No entanto, como não houve análise estatística comparando esses dois
grupos — a análise foi feita apenas comparando a combinação dos grupos LF e LC
ao grupo UC —, não é possível afirmar se a diferença
observada para a circunferência da cintura foi realmente significativa do grupo
LC em relação ao grupo LF (provavelmente não, porque os desvios-padrões, que
aparecem após os símbolos de “±”, são altos).
De qualquer maneira,
principalmente considerando as duas primeiras limitações citadas acima, que são
mais técnicas, o ideal é não considerar esse estudo como evidência a favor ou
contra a possível vantagem metabólica das dietas low-carb.
***
Teve também o estudo publicado nesse ano de 2016 por Kevin Hall e colaboradores,
sobre o qual eu já falei em detalhes. Todas as informações importantes
foram comentados nesse texto anterior, então vou comentar brevemente sobre ele aqui.
Os pesquisadores
recrutaram um grupo de 17 homens, com sobrepeso e obesidade, mas sem
resistência à insulina, e fez com que eles seguissem duas dietas diferentes.
Durante as quatro primeiras semanas, eles consumiram uma dieta convencional,
com 50% das calorias na forma de carboidratos, 35% na forma de gorduras e 15%
na foram de proteínas. Logo depois, nas quatro semanas subsequentes, os homens
passaram a ingerir uma dieta low-carb cetogênica, com 5% de carboidratos, 80%
de gorduras e 15% de proteínas.
Apesar de o estudo ter
sido planejado para que os participantes mantivessem o peso, com um controle severo
no cálculo, análise e oferta das refeições, esses homens apresentaram perda de
peso, e de gordura corporal, com ambas as dietas. Para os dois períodos, a
redução na gordura corporal foi de 0,5 kg. Além disso, quando seguiram a dieta
cetogênica, os participantes apresentaram momentos de maior gasto energético do
que quando seguiram a dieta convencional.
Porém, é importante
lembrar que, embora tenha usado técnicas e métodos excelentes, o trabalho foi
extremamente limitado em seu desenho experimental. Isso significa que,
independentemente do que realmente aconteceu nesse estudo, os resultados são praticamente
impossíveis de serem representativos. (Sugiro a leitura do texto anterior para um melhor entendimento das
várias, e importantes, limitações do estudo).
De qualquer maneira,
apesar das diversas falhas, acredito que existe um detalhe em particular que
deve sempre ser ressaltado nesse estudo. Mesmo que as dietas tenham sido
calculadas para a manutenção de peso, a perda de peso que ocorreu mostra que
houve um déficit calórico, e por isso é possível concluir que, na prática, as
dietas funcionaram como dietas para perda de peso. E, como mencionei na análise anterior desse trabalho, toda perda de peso a princípio
leva a reduções no gasto energético de uma pessoa, e esse é um dos fatos que
explica por que a eficácia de qualquer dieta vai diminuindo com o tempo.
Em geral, as dietas para
perda de peso funcionam bem no começo porque o gasto energético ainda está
relativamente preservado; com o tempo, e com a diminuição nesse gasto
energético, a eficácia das dietas é reduzida. Por isso, considerando a perda de
peso inicial que ocorreu com a dieta convencional, o fato de a dieta cetogênica
continuar permitindo o emagrecimento — que inclusive aumentou com o tempo, com
perda de 0,2 kg nas duas primeiras semanas e 0,3 kg nas duas semanas seguintes — é uma demonstração de que realmente existe a possibilidade das dietas
low-carb, pelo menos quando extremamente restritas em carboidratos (cetogênicas),
apresentarem algum tipo de vantagem metabólica.
Considerações finais
Independentemente de apresentar ou não uma vantagem metabólica, as dietas low-carb já se configuram como uma ótima
estratégia para o emagrecimento. Como discutido anteriormente, o mecanismo exato pelo qual as dietas low-carb muitas vezes são superiores às dietas convencionais não é tão importante no “mundo real”; o
que conta de verdade é que elas são eficazes. Dar resultados sem a necessidade
de restrição energética voluntária é uma característica que certamente é bem apreciada por
muitas pessoas que buscam a perda de peso.
É mais importante
entendermos sobre como os padrões alimentares são seguidos no dia a dia do que
sobre os efeitos das dietas em situações “artificiais”, de estudos extremamente
controlados — como os controlled feeding
trials. Não queremos “prender” as pessoas em laboratórios, ou permitir que
elas possam comer apenas quantidades pré-determinadas de alimentos específicos. Ao contrário, queremos que as pessoas vivam suas vidas e possam ter um padrão
alimentar que, além de eficaz, seja relativamente fácil de ser seguido. E é
isso o que as dietas low-carb, no geral, parecem proporcionar.
Antes de chegarmos a uma
conclusão um pouco mais clara sobre a existência ou não de uma vantagem
metabólica para dietas low-carb, é importante fazer mais uma consideração.
Nenhum dos trabalhos citados na parte principal dessa nossa discussão (que não
inclui as “menções honrosas”) foi feito pelos principais grupos de pesquisa que
estudam o efeito de dietas com variações nos macronutrientes (low-carb x
low-fat, por exemplo) sobre a composição corporal. E isso é bom, porque vieses
na concepção e na condução dos estudos, assim como na interpretação
dos resultados, provavelmente são minimizados.
Na totalidade das
evidências apresentadas, com estudos nos quais os participantes consumiram
dietas estritamente controladas — para se conhecer os efeitos específicos das
intervenções testadas —, parece ser possível observar um (pequena) vantagem metabólica para as dietas low-carb, especialmente quando as dietas possuem uma quantidade total de calorias que é relativamente baixa. No entanto, caloria por
caloria, com os estudos que temos, não é possível inequivocamente considerar as
dietas low-carb como superiores às dietas convencionais que possuem mais
carboidratos.
Por isso repito: se a vantagem metabólica de fato existir, ela parece ser pequena.
Por isso repito: se a vantagem metabólica de fato existir, ela parece ser pequena.
Além disso, é preciso
ressaltar que boa parte dos estudos com tendência de mostrar uma aparente
vantagem para as dietas low-carb, principalmente no sentido de ajudar a
preservar a massa magra (e muscular), foi com a substituição de carboidratos
por proteínas, e não por gorduras. Nesse caso, existem alguns mecanismos que poderiam explicar a vantagem metabólica induzida por uma dieta com maior concentração de proteínas, com destaque para dois: 1) maior termogênese quando comparada a dietas ricas em outros macronutrientes; 2) maior gasto energético em processos como gliconeogênese (produção de glicose a partir de, principalmente, aminoácidos) e outras vias metabólicas, como a formação de ureia, que envolvem o processamento do nitrogênio proveniente das proteínas, que são ineficientes do ponto de vista energético — "desperdiçam" mais energia do que as vias normalmente utilizadas para a produção de energia, como glicólise e beta-oxidação.
É claro que a maior ingestão de gorduras, em detrimento de carboidratos, considerando as evidências apresentadas, também pode ter um potencial no sentido de facilitar o emagrecimento; o problema é que os estudos que usaram dietas com maior teor de gorduras apresentaram mais fatores limitantes, o que obscurece um pouco a representatividade de possíveis benefícios adicionais.
É claro que a maior ingestão de gorduras, em detrimento de carboidratos, considerando as evidências apresentadas, também pode ter um potencial no sentido de facilitar o emagrecimento; o problema é que os estudos que usaram dietas com maior teor de gorduras apresentaram mais fatores limitantes, o que obscurece um pouco a representatividade de possíveis benefícios adicionais.
Caso
a maior propensão à perda de gordura corporal venha a se confirmar para a
substituição de carboidratos tanto por proteínas como por gorduras, ficaria evidente
que o fator mais importante seria a restrição de carboidratos, e não necessariamente
a maior ingestão de proteínas ou gorduras. Nesse cenário, o principal (mas não o único) mecanismo por trás da vantagem metabólica seria a redução na secreção de insulina, que invariavelmente acontece com a restrição de carboidratos. A menor concentração e ação desse hormônio, que possui um efeito direto em estimular o armazenamento e prevenir a liberação de gordura do tecido adiposo, seriam fundamentais para que houvesse uma perda maior de gordura corporal com dietas restritas em carboidratos.
Mesmo assim, principalmente se intervenções com dietas low-carb forem seguidas por períodos mais prolongados, é bem possível que uma ingestão proteica um pouco mais elevada, mesmo que o consumo de gorduras não seja, contribua para uma maior preservação da massa magra (e provavelmente muscular); é isso que a literatura em geral indica, assim como os estudos discutidos aqui. Por isso, é importante pensar não apenas na perda de peso ou no emagrecimento, mas na estratégia mais eficaz em otimizar a composição corporal como um todo.
Mesmo assim, principalmente se intervenções com dietas low-carb forem seguidas por períodos mais prolongados, é bem possível que uma ingestão proteica um pouco mais elevada, mesmo que o consumo de gorduras não seja, contribua para uma maior preservação da massa magra (e provavelmente muscular); é isso que a literatura em geral indica, assim como os estudos discutidos aqui. Por isso, é importante pensar não apenas na perda de peso ou no emagrecimento, mas na estratégia mais eficaz em otimizar a composição corporal como um todo.
Um detalhe que pode ter
passado despercebido ao longo do texto, mas que vale a pena destacar aqui no fim, é o
enfoque que dei para a presença ou não do estado de resistência à insulina nos participantes dos estudos. Mesmo que
alguns trabalhos, principalmente os mais antigos, não especifiquem essa
informação, é possível perceber uma tendência para os resultados observados
nessa nossa análise.
A literatura científica,
com outros estudos sobre o tema, parece mostrar de maneira clara que o grau
de resistência à insulina é um fator fundamental para se determinar a eficácia
de dietas que contêm maiores ou menores quantidades de carboidratos. Mas, para
ficar um pouco mais interessante, discutiremos esse ponto — que é extremamente
relevante — no próximo texto.
Complexo e magnífico o texto, João! Como é difícil conduzir estudos alimentares!
ResponderExcluirA low carb, talvez pelo fato de facilitar (e incentivar) a prática do jejum intermitente (pois usa mais gordura como combustível) e pelo fato de acabar "não descuidando" da ingesta de proteínas, surta efeito a longo prazo (durabilidade maior).
O controle calórico ocasionado pelo jejum intermitente (sem sacrifício) pode fazer muita diferença a longo prazo na manutenção do peso normalizado...
O mais importante é que para pessoas com síndrome metabólica, o mal estar (dores difusas ou cansaço/desânimo, ou fome constante ou baixa auto-estima devido ao corpo "menos bonito") melhora muito na low carb! Sem contar a melhora nos marcadores clínicos (exames), levando até ao desuso de medicação.
O importante é a auto-observação.
Pontos bem observados, Cristina. E no fim o mais importante é isso mesmo: experimentar e observar, para aproveitar o que funciona melhor para cada um.
ExcluirObrigado pela leitura!
Chama a atenção, nos estudos que não planejam uma alimentação hipocalórica, o que eles consideram low-carb. Comparando com os marcos que vejo muita gente estabelecer (30, 40, 50g/dia), é consideravelmente mais.
ResponderExcluirEssa quantidade de CHO é de carboidrato disponível ou englobam também as fibras?
Olá, Lucas.
ExcluirMais estudos com dietas estritamente controladas, com maior restrição de carboidratos, talvez poderiam mostrar resultados diferentes -- mais claros de que uma vantagem metabólica maior existiria. No entanto, esse talvez não seja o caso. O estudo de Gower & Goss, por exemplo, mostrou que dietas low-carb que nem são tão low-carb assim podem levar a resultados mais positivos; em comparação, outros com maior restrição de carboidratos não verificaram uma vantagem para low-carb. No próximo texto falarei mais sobre o porquê disso.
Na maioria dos estudos eles não especificam essa separação entre carboidratos disponíveis e fibras. Mas é de se esperar que quando falam "carboidratos" as fibras não estão sendo consideradas.
Boa tarde, sou estudante de nutrição, mas antes disso, amante da literatura..
ResponderExcluirSó estou passando por aqui, para dizer parabéns pelo seu trabalho e incrivelmente pela sua paciência em responder tantos comentários de forma educada e lúcida (post sobre sal rosa por exemplo). Sinceramente, estamos em uma geração de gente preguiçosa, sim, pq tem muita informação boa e gratuita. Se eu vou contra seu ponto de vista, eu preciso de um bom argumento para te contestar.. citar o nome do médico X ta longe de ser um argumento né?!. Mesmo assim, vc responde rsrsrs… admirável.. certos comentários, principalmente os grosseiros, eu apagaria/bloquearia, pois é nítido que muitas pessoas vivem de achismos, são as mesmas que vêem bem estar, fantástico, ou ve um post sensacionalista e prega como verdade absoluta.
O assunto nutrição virou moda, e com isso a disseminação de informação boa e ruim chega a todos. Nos resta estudar e muito! rsrs mais uma vez parabéns!
Abraço
Sandra Czornei
Sandra, sou grato pela leitura e pelas palavras de apoio! São feedbacks como esse que me ajudam a saber que estou podendo contribuir com os leitores.
ExcluirMuito obrigado!
Como sempre, ótimo texto, João. Será que determinados micro-nutrientes (micro-nutrientes que atuam no metabolismo dos macro-nutrientes) não tem um papel mais importante do que o os macro-nutrientes na perda, manutenção do peso? abraço.
ExcluirOlá, Renan.
ResponderExcluirÉ possível que sim. A influência dos micronutrientes sobre o ganho e a perda de peso é um tema pouco explorado até hoje, e algo difícil de se estudar. Até porque os próprios micronutrientes possuem inúmeras interações entre eles.
Mas, no "mundo real", acho que os micronutrientes tendem a não ter uma influência tão grande, principalmente quando falamos de deficiência. Porque, por mais que a dieta de muita gente esteja longe do "ideal", a ingestão de micronutrientes, no geral, provavelmente ainda estaria dentro do aceitável para a regulação da maior parte dos processos fisiológicos.
Se eu fosse dar um palpite, diria que o excesso de alguns micronutrientes, por suplementação e fortificação, talvez tenha maior chance de influenciar essa questão de perda e ganho de peso.
Obrigado!
ExcluirCaramba! Que texto magnífico. Eu não fazia ideia do tanto de ciência envolvida nessa dieta... Vejo que preciso aprender bastante ainda. Obrigado, João certo? Gostei muito de seu Blog e de Seu conteúdo repleto de conhecimentos valiosos.
ResponderExcluirEu que agradeço a leitura, Pedro.
Excluir